quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

UM SARDÃO NO MEU JARDIM

Refastelado no cadeirão, senti a presença de algo estranho. Parei de ler e olhei para a porta envidraçada. Fiquei surpreendido. Estava a ser observado por um enorme sardão. Observava-me de cabeça e peito levantado, com um ar compenetrado.

Ficámos um bocado a mirar-nos, como que intrigados com a nossa presença no mesmo local. Nunca nos tínhamos apresentado, nem sequer visto. Ficámos definitivamente surpreendidos um com o outro.

Naquele jogo de quem serás tu, ainda permanecemos um bom bocado. Nem eu nem ele nos demos por vencidos.

Resolvi apresentar-me. Levantei-me devagar. Lá fora o sardão empertigou-se. Olá, o que me quererá este bicho tão grande? terá pensado o meu visitante. Indeciso, começou a mexer-se, não fosse dar-se o caso de ser apanhado distraído.

Quando dei um passo na sua direção, o bichano decidiu-se: colocou-se praticamente em pé, apoiado nas patas traseiras e bamboleando-se, sem correr, cheio de estilo, como quem não quer a coisa e sem perder a compostura, afastou-se como uma senhora o teria feito ao pressentir uma ameaça.

Para mim foi evidente tratar-se de um sardão fêmea, muito feminina e sem querer fazer má figura, na sua fuga facilitada por não calçar saltos altos.

Não saiu do meu jardim. Limitou-se a esconder-se, com jeito e meneios de cauda, entre as velhas pedras do muro do quintal.

Sempre que lá vou, procuro saber da minha visita mas sem qualquer sucesso, pois deve, como sardão fêmea e senhora da sua fina cauda, levar uma eternidade nos seus arranjos.

 

      Jorge C. Chora

    27/01/2021

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