domingo, 10 de abril de 2022

MADALENA

 

 

Desceu as escadas do metro e esperou na plataforma, pela chegada das carruagens.

Enquanto não vinham, abriu a pasta e retirou o calendário para se certificar da reunião e do local, não fosse confundir os encontros e causar má impressão. Era uma carolice ir à reunião. Um dos seus diretores de departamento podia perfeitamente encarregar-se daquele negócio.

Naquele dia não lhe apetecia estar no gabinete. Ia matar saudades dos tempos em que se tinha de encarregar de tudo e mais alguma coisa.

De repente algo lhe despertou a atenção. Os gestos daquela varredora que vinha na sua direção.

Observou-a. Aquele gesto de cabeça, o afastar da franja, o molhar intermitente dos lábios com a ponta da língua. A mulher coxeava, o que não coincidia com a figura de que se recordava. Já ao pé, notou-lhe o olho direito semifechado, o cabelo desgrenhado e descolorido. Era a Madalena. Tinha a certeza, agora que lhe via o olho aberto, a figura ainda esbelta embora com um caminhar claudicante, devido a um problema qualquer na perna.

Madalena fora a sua paixão de jovem. Ela nunca lhe ligara e não perdia uma ocasião para o rebaixar. Ela namorara com quase todos da turma, mas nunca com ele.  Ele era um aluno mediano, não se distinguia por nada de especial e ela adorava achincalhá-lo. Mas ele só tinha olhos para a Madalena.

- Olá, Madalena! - saudou-a o Alberto.

Madalena revirou os olhos, olhou para trás de si e ia a seguir o seu caminho, quando Alberto tornou à carga.

- Olá, Madalena! Sou o Alberto teu antigo colega de escola.

Madalena deteve-se. Não o reconheceu à primeira. Diante de si tinha um distinto cavalheiro. Tornou a vê-lo, com atenção e desta vez, lembrou-se.

Alberto encurtou a distância que o separava de Madalena, abraçou-a e beijou-lhe as faces três vezes.

Madalena encolheu-se e protestou:

-Vai sujar-se todo…

- Olha Madalena, em primeiro tratas-me por tu, por favor! Em segundo, tem paciência, ainda que estivesses toda suja de óleo, não deixava de te abraçar…

Madalena ia começar a choramingar, provavelmente para lhe contar as desgraças.

- Está calada Madalena, não vais estragar este momento em que te reencontro, tu, a minha grande paixão da adolescência.

Madalena sabia bem como destratara Alberto. Maldisse, mentalmente, a sua prepotência insuportável.

Ainda não acabara de se penalizar quando ele lhe deu o braço, arrastou-a para um café e lhe disse:

-Querida Madalena, a partir de hoje, a tua vida vai mudar. Toma esta cartão e vai ter com a minha amiga Cecília a esta direção. Ela vai tratar de ti.

-Mas eu …depois de varrer, vou trabalhar para a rua, pois tenho dois filhos para alimentar…

Alberto, percebeu o que ela queria dizer, mandou-a calar, deu-lhe dois beijos nos olhos e disse-lhe:

-Às duas da tarde, já sabes, a Cecília está à tua espera…

Madalena compareceu de modo pontual. O edifício era imponente. À porta encontrava-se uma senhora forte, de meia-idade, que a recebeu dando-lhe o braço:

-Srª D. Madalena, faça o favor de me acompanhar…

Ao fundo do corredor, Madalena viu uma senhora alta e elegante, de olhos azuis como os seus e com uns trejeitos que a fizeram pensar estar a ver-se ao espelho nos seus tempos áureos. Ela era igualzinha a si.

A vida de Madalena mudou. Os filhos frequentaram os melhores colégios, ela foi recuperada do estado em que estava e tornou-se, aparentemente, numa senhora.

Alberto nunca mais a viu, embora ela trabalhasse nas suas empresas, mas era informado amiúde da sua recuperação física. Madalena sabia que ele acompanhava o desenvolvimento dos estudos e da vida dos filhos. Nunca mais Madalena passou necessidades.

Sofia, a mulher de Alberto, faleceu subitamente, num acidente de viação.

Madalena compareceu ao seu funeral e causou um espanto geral. Afinal Sofia não tinha falecido?

Alberto acabou por levá-la para casa ao fim de uns meses. Madalena era idêntica a Sofia embora entre ambas, houvesse um fosso maior do que as fossas do Mindanau, em termos de sentimentos, cultura e na maneira de ser. Um mês após estar a viver com Alberto, Madalena pediu-lhe para ir passar uns dias de férias, numa praia, para descansar.

Alberto marcou-lhe um hotel de cinco estrelas, cujo dono era seu amigo, na zona de Albufeira. Pediu ao amigo que tomasse discretamente atenção para que nada lhe faltasse, explicando-lhe as circunstâncias e o facto de a união ser recente.

Logo no dia seguinte o amigo telefonou-lhe, a perguntar se ele também pagava a conta do irmão da Madalena que estava desde o dia anterior a habitar com ela no quarto.

Alberto sabia que Madalena nunca tivera irmãos. Pediu ao amigo que no final da estadia cobrasse a conta ao “irmão” e que se ele não o fizesse, chamasse a polícia. Pediu-lhe também que, à parte, pedisse a Madalena que pagasse a conta do “irmão”.

Uma semana após as férias, quando Madalena regressou a casa, encontrou a fechadura trocada e pendurado no portão, um fato de varredora e a respetiva pá, com um bilhete afixado:

   ATÉ SEMPRE MADALENA.

BOM TRABALHO E BOA SORTE.

 

         Jorge C. Chora

         10/04/2022

Sem comentários:

Enviar um comentário