sábado, 2 de abril de 2022

O DESEJO DO HERÓI COMILÃO


Na amurada do navio estava encostado um homem grande, sem ser enorme. Estava concentrado em algo e em silêncio. Pensava em qualquer coisa, mas em quê precisamente, ninguém sabia.

De repente ouve-se uma gritaria e dezenas de pessoas a alertarem:

-Cuidado Gabriela, não corras, tem cuidado, não te aproximes…

E a pequena Gabriela continuou a correr e não parou. Ao aproximar-se da amurada, deu um salto, não conseguiu manter-se no corrimão e acabou por cair ao mar.

O homem de grande tamanho, lançou-se ao mar conforme estava.

Nunca fora grande nadador, detestava saltar, tinha vertigens e a idade já não lhe agourava quase nenhuma aventura.

Conseguiu manter-se à tona, agarrou a petiz gritou:

- Está salva! Venham depressa que eu já não sou grande nadador!

Tendo o pai por perto, teve direito a socorro rápido, tendo sido recolhida num tempo breve. O homem grande debatia-se para manter-se à tona. Foram-se embora todos com a garota, mas deixaram-no a debater-se com as ondas do mar.

Quando finalmente o retiraram, estava mais morto que vivo. Não se arrependeu de ter salvo a petiz, mas se tivesse tido tempo de raciocinar, teria esperado um segundo e o pai, o ajudante, o segurança e todos os que a seguiam aos gritos, ter-se iam atirado em seu socorro. A petiz teria sido salva e ele não estaria quase morto.

Só depois soube que não seria bem assim. Nenhum deles sabia nadar e a garota foi retirada dos seus braços por dois marinheiros. A pequena teria morrido sem o socorro imediato.

O pai era bastante rico e queria recompensá-lo.

- A minha recompensa é a miúda estar sã e salva e ver a sua alegria- respondia-lhe Tomás.

 Incapaz de aceitar a recusa do salvador, pediu-lhe por tudo que aceitasse algo, para além do seu eterno reconhecimento.

-Basta-me ver o seu contentamento…não tenho nem quero dinheiro.

Durante a viagem ficou o milionário a saber que o Tomás, assim se chamava o salvador da sua filha, se tornara pobre, pois perdera tudo o que tinha para honrar os salários dos seus trabalhadores numa grande crise, mas não se importava nada com isso.

Palavra puxa palavra, ficou a saber qual o desejo do Tomás, caso tivesse dinheiro. Ele gostaria de poder ter três cozinheiros.

-Três? - surpreendeu-se o pai da Gabriela- perante tão estranho desejo.

-Sim. Um seria um cozinheiro africano, de Moçambique. Nunca conheci na vida quem melhor soubesse assar leitões, cabritos, galinhas… e em relação aos mariscos… hum…nem se fala…

- E o segundo?

-Ah! Esse seria um do norte de Portugal. As comidas, meu Deus, são divinas…

-E o terceiro meu amigo?

-Bom, esse teria de ser um “chef” francês!

-E qual a razão dessa escolha?

- Meu amigo, depois das comezainas, vem a dieta! deve comer-se só com os olhos e com um pouco de cheirinho…fazer restrições, entende?

Heitor, assim se chamava o pai de Gabriela, estalou os dedos e gritou:

- Concedido. A partir deste momento, terá os três cozinheiros que deseja.

Tomás arregalou os olhos e reafirmou:

- Meu amigo Já lhe disse que não aceito nada e não tenho posses para isso! Isto que acabei de lhe dizer, é uma fantasia minha!

- Um dos meus negócios é uma cadeia de restaurantes e tenho o pessoal que pretende. Todos os dias, à sua escolha, um deles irá a sua casa confecionar-lhe as refeições. E não diga que não, porque eles só estão a fazer o serviço que lhes compete e já estão pagos!

Tomás ficou indeciso. E não lhe dando tempo para recusar, Heitor voltou à carga:

-Mas há uma condição… tem de me convidar a comer consigo, não só porque sou comilão, mas também pelo facto de saber se nos afogarmos em bom vinho, tenho quem me salve de morrer afogado! Ah! e nos dias do “chef” francês, passo, dietas não são comigo!

 

 

    Jorge C. Chora

      2/04/2022

 

 

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