Por
influência de seu pai, casou-se Sílvio com Beatriz. Ela era filha de um grande
amigo dele, quase tão rico como ele.
Era Beatriz
a mulher ideal para o seu filho Sílvio: bonita e rica.
O casamento
realizou-se com pompa e circunstância, com separação de bens por exigência de
Beatriz, e foi desde o início um tormento para Sílvio.
Na noite de
núpcias, a inexperiência de Sílvio, serviu de chacota a Beatriz, com uma enorme
perícia de índole sexual, devido à sua vasta experiência com os homens que já tivera.
Habituada a
luxos, delapidou a sua fortuna em futilidades várias. Passados dez anos, a sua
beleza esfumou-se, com noitadas, bebidas e aventuras com homens mais jovens.
Sílvio enviuvou aos 48 anos, tendo Beatriz falecido aos 47, com a doença ainda
pouco conhecida e que viria a ser designada como sida.
Deu-lhe
Sílvio uma condigna morada no mausoléu da família.
Nos últimos
dez anos, Sílvio não tocara na sua mulher, tal a repulsa e a pena que por ela
sentia, ao vê-la tão decadente e ao saber que ela se entregava em urinóis
públicos, cavalariças e antros fedorentos a qualquer um, satisfazendo os seus
desejos sórdidos.
//
Numa das
idas ao veterinário com a sua gata, encontrou Antónia, recém-chegada à cidade.
Ela era uma antiga colega do liceu, a única mulher que amara, mas que era mais
velha 4 anos do que ele e que a sua timidez o impedira de lhe confessar o que
sentia. Era a rapariga mais doce e bondosa que conhecera.
Perderam o
contacto quando ela fora para o ultramar, pois o seu pai era militar e acabara
por casar com um médico militar que lá fora colocado.
Soube por
mero acaso que tivera 3 filhas e enviuvara há um ano, pois o marido falecera num
acidente de automóvel.
Quando ela
entrou, fixarem-se mutuamente, em silêncio, durante muito tempo. Trazia ao colo um velho gato a que chamara Sílvio.
Aproximaram-se.
Sílvio beijou-lhe as mãos, depois abraçaram-se e logo de seguida, beijaram-se
longamente perante o olhar surpreso dos clientes do consultório.
Antónia
antes de aceitar o casamento que Sílvio lhe propôs uns dias depois, disse-lhe
que aceitava, mas tinha de lhe explicar uma situação especial sem a qual a
união matrimonial não poderia acontecer.
Sílvio
ouviu-a com toda a atenção:
- Lembras-te
da Júlia, que foi nossa colega no liceu? É arquiteta como eu e minha sócia
desde sempre. Acompanhou-me para África e regressou comigo.
Sílvio puxou
pela sua memória e recordou-se vagamente de uma moça trigueira, de olhos azuis,
muito magra e com uns seios proeminentes.
- É essa
mesmo.
-Sim e o que
é que se passa com ela?
Antónia
olhou-o sem desviar o olhar e declarou: Ela foi, é e sempre será a mulher da
minha vida.
Sílvio não
queria acreditar no que ouvira.
-Calma
Sílvio. Eu sempre amei um homem e uma mulher. A mulher foi sempre ela. O homem
foi o meu marido enquanto viveu e agora és tu quem eu amo, Não me perguntes se
gosto mais dela do que de ti, porque te direi sinceramente que gosto dos dois e
não quero prescindir de nenhum de vós.
Sílvio,
atordoado com a situação, perguntou-lhe:
- E agora o
que eu faço. Sempre gostei de ti!
-Eu sei, mas
eu sempre fui assim e não consigo ser de outra maneira. Amo-vos a ambos.
-Então tenho
de te aceitar como és, porque não posso ficar sem ti!
- E ela
aceita a situação?
-Claro que
sim, pois o que ela mais quer é ver-me feliz, assim como eu a ela.
Um mês
depois casaram-se. No palacete habitado por Sílvio, couberam as três filhas de
Antónia, o casal e a Júlia. O quarto do casal comunicava com outro, adjacente,
onde Júlia foi instalada e os dias que ficava com Antónia e os que com ele
estaria, foram combinados. Nem tudo foi cumprido matematicamente, porque
Antónia havia dias que sentia falta dos dois e amava um a seguir ao outro, mas
nunca juntos.
Sílvio
acomodou-se à situação. Ao menos sabia com quem a sua amada Antónia o traía ou
melhor, com quem ela traía a sua querida Júlia, sem que ela própria traísse alguém,
porque a relação era sabida e consentida. Viveram felizes e em paz, em boa
harmonia com as filhas de quem Júlia era madrinha.
Júlia foi a
primeira a falecer, tendo-se seguido pouco tempo depois Antónia e ambas foram
para o mausoléu de família. O féretro fora mandado fazer para ser ocupado por
tês pessoas. Quando a sua vez chegou, Sílvio foi colocado junto às duas
mulheres da sua vida, por ordem expressa das suas filhas.
Jorge C.
Chora
26/5/2024
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