domingo, 26 de maio de 2024

O CASAMENTO DE SÍLVIO

 


Por influência de seu pai, casou-se Sílvio com Beatriz. Ela era filha de um grande amigo dele, quase tão rico como ele.

Era Beatriz a mulher ideal para o seu filho Sílvio: bonita e rica.

O casamento realizou-se com pompa e circunstância, com separação de bens por exigência de Beatriz, e foi desde o início um tormento para Sílvio.

Na noite de núpcias, a inexperiência de Sílvio, serviu de chacota a Beatriz, com uma enorme perícia de índole sexual, devido à sua vasta experiência com os homens que já tivera.

Habituada a luxos, delapidou a sua fortuna em futilidades várias. Passados dez anos, a sua beleza esfumou-se, com noitadas, bebidas e aventuras com homens mais jovens. Sílvio enviuvou aos 48 anos, tendo Beatriz falecido aos 47, com a doença ainda pouco conhecida e que viria a ser designada como sida.

Deu-lhe Sílvio uma condigna morada no mausoléu da família.

Nos últimos dez anos, Sílvio não tocara na sua mulher, tal a repulsa e a pena que por ela sentia, ao vê-la tão decadente e ao saber que ela se entregava em urinóis públicos, cavalariças e antros fedorentos a qualquer um, satisfazendo os seus desejos sórdidos.

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Numa das idas ao veterinário com a sua gata, encontrou Antónia, recém-chegada à cidade. Ela era uma antiga colega do liceu, a única mulher que amara, mas que era mais velha 4 anos do que ele e que a sua timidez o impedira de lhe confessar o que sentia. Era a rapariga mais doce e bondosa que conhecera.

Perderam o contacto quando ela fora para o ultramar, pois o seu pai era militar e acabara por casar com um médico militar que lá fora colocado.

Soube por mero acaso que tivera 3 filhas e enviuvara há um ano, pois o marido falecera num acidente de automóvel.

Quando ela entrou, fixarem-se mutuamente, em silêncio, durante muito tempo.  Trazia ao colo um velho gato a que chamara Sílvio.

Aproximaram-se. Sílvio beijou-lhe as mãos, depois abraçaram-se e logo de seguida, beijaram-se longamente perante o olhar surpreso dos clientes do consultório.

Antónia antes de aceitar o casamento que Sílvio lhe propôs uns dias depois, disse-lhe que aceitava, mas tinha de lhe explicar uma situação especial sem a qual a união matrimonial não poderia acontecer.

Sílvio ouviu-a com toda a atenção:

- Lembras-te da Júlia, que foi nossa colega no liceu? É arquiteta como eu e minha sócia desde sempre. Acompanhou-me para África e regressou comigo.

Sílvio puxou pela sua memória e recordou-se vagamente de uma moça trigueira, de olhos azuis, muito magra e com uns seios proeminentes.

- É essa mesmo.

-Sim e o que é que se passa com ela?

Antónia olhou-o sem desviar o olhar e declarou: Ela foi, é e sempre será a mulher da minha vida.

Sílvio não queria acreditar no que ouvira.

-Calma Sílvio. Eu sempre amei um homem e uma mulher. A mulher foi sempre ela. O homem foi o meu marido enquanto viveu e agora és tu quem eu amo, Não me perguntes se gosto mais dela do que de ti, porque te direi sinceramente que gosto dos dois e não quero prescindir de nenhum de vós.

Sílvio, atordoado com a situação, perguntou-lhe:

- E agora o que eu faço. Sempre gostei de ti!

-Eu sei, mas eu sempre fui assim e não consigo ser de outra maneira. Amo-vos a ambos.

-Então tenho de te aceitar como és, porque não posso ficar sem ti!

- E ela aceita a situação?

-Claro que sim, pois o que ela mais quer é ver-me feliz, assim como eu a ela.

Um mês depois casaram-se. No palacete habitado por Sílvio, couberam as três filhas de Antónia, o casal e a Júlia. O quarto do casal comunicava com outro, adjacente, onde Júlia foi instalada e os dias que ficava com Antónia e os que com ele estaria, foram combinados. Nem tudo foi cumprido matematicamente, porque Antónia havia dias que sentia falta dos dois e amava um a seguir ao outro, mas nunca juntos.

Sílvio acomodou-se à situação. Ao menos sabia com quem a sua amada Antónia o traía ou melhor, com quem ela traía a sua querida Júlia, sem que ela própria traísse alguém, porque a relação era sabida e consentida. Viveram felizes e em paz, em boa harmonia com as filhas de quem Júlia era madrinha.

Júlia foi a primeira a falecer, tendo-se seguido pouco tempo depois Antónia e ambas foram para o mausoléu de família. O féretro fora mandado fazer para ser ocupado por tês pessoas. Quando a sua vez chegou, Sílvio foi colocado junto às duas mulheres da sua vida, por ordem expressa das suas filhas.

Jorge C. Chora

26/5/2024

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