sábado, 26 de junho de 2010

A metamorfose

Compareceu à entrevista um tanto ou quanto contrafeito. Tinha de satisfazer um pedido irrecusável de um familiar. Tinha um amigo, a quem muito estimava, que necessitava de um gestor. Uma questão de negócios mal orientados, associada a gastos excessivos, por parte de um proprietário que se limitara a herdar e a delapidar…

Às nove em ponto, foi-lhe pedido que entrasse. Foi apresentado ao proprietário. Irrepreensível no seu fato Armani, sorriu-lhe, estendeu-lhe a mão e foi directo ao assunto:

-Preciso de alguém que me tire de apuros. O seu primo afiançou-me que era a pessoa indicada.

-Ele costuma ser bom avaliador…mas não há bela sem senão… - respondeu-lhe o gestor com cautela e estudando quem tinha na sua frente.

-Bom não percamos tempo…vamos às soluções que me propõe…

-Para ser mais eficaz, preciso de saber se já tomou algumas medidas, como ter despedido funcionários…

-Mas claro, despedi metade…

-E segundo os seus cálculos foi o suficiente?

-Não sei mas posso despedir mais…

-E os salários dos que ficaram…mantiveram-se? - perguntou o gestor.

-Reduziram-se 10%...

-E a produtividade?

-Exijo a mesma de quando estavam o dobro dos trabalhadores, mas estou a pensar em duplicá-la…

-Mas então o que acha que ainda posso fazer por si? – admirou-se o gestor.

-Que convença os que ficaram que ainda devem agradecer a consideração de que estão a ser alvo…

O gestor olhou atentamente o interlocutor. Quis assegurar-se de que ele não estava a brincar e disparou:

-Quer que eu convença os que ficaram…que ainda lhe devem estar gratos…

-Perfeitamente!

O gestor demorou alguns segundos a responder mas acabou por dizer:

-Bom, safadices sei fazê-las tão bem como o amigo, mas metamorfoseá-las em actos santos, confesso que ainda está fora do meu poder e alcance…

Jorge C. Chora

2 comentários:

  1. Era tão bom que os safados não tivessem aliados...mas isso só acontece nas histórias...é pena.

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  2. Alegoricamente, não hesitaria em ver na tua história uma representação, à escala, do que se passa neste país nos tempos que correm.

    E o que é pior é que estes senhores não têm, contrariamente ao que supõem, um qualquer toque de Midas. Bem diversamente, esses tais gestores do erário público possuem aquilo a que se poderia chamar, com total desassombro, o toque de...Merdas!

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