segunda-feira, 21 de junho de 2010

O encapotado que lia a necrologia

Quer chovesse quer fizesse sol, o velho funcionário afixava, sempre à mesma hora, a lista dos falecidos no quadro pendurado ao lado da taberna. Constavam da lista os naturais do concelho e também os que aí tinham entregado a alma ao Criador.

Poucos minutos após a afixação da necrologia, um corrupio de curiosos aproximava-se e ia comentando os falecimentos:

- Ai já não era sem tempo…ruim qu`ele era… já lá está…

- A vez chega a todos…

- Paz à sua alma…

-Pois é… ninguém escapa…

- Querias ficar para semente… e logo tu…

Teciam-se comentários de toda a índole, mas a má-língua era a que predominava. Quanto mais mal diziam, mais querido era o morto: pertencia ou tinha pertencido à pandilha da tasca, conheciam-lhe os podres e também as virtudes embora naquela hora, evitassem os elogios e salientassem as velhacarias, porque assim todos participavam. Era um código.

Todos os dias, quando a luz escasseava, aproximava-se, sabe-se lá vindo de onde, envolto num capote, cambaleando, um homem apoiado num cajado que ficava especado, a ler a necrologia.

Cerca de dez minutos depois, lançava um grito de alegria: Aleluia…aleluia…

Ninguém presenciava a cena, devido à hora a que acontecia. Um dia alguém viu e divulgou o que se passava.

A curiosidade levou-os a fazer-lhe uma espera e a inquirir o homem após o estranho ritual:

-Afinal o que se passa consigo? Qual a razão das aleluias?

- É que até ao momento nunca consegui ler o meu nome na lista!

-Pois se está vivo como quer aparecer nela! - espantaram-se os amigos.

-Aí é que não sei…talvez se enganem… - respondeu com uma voz cavernosa - virando-se para os presentes.

Foi quando os amigos se deram conta que dentro do capote não havia ninguém.

Tem a certeza de que não é o caro leitor(a) que está metido neste capote?

Jorge C. Chora

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