quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Provador

Na aldeia todos tinham a sua função. A do Tomé era cobiçada: provar a carne da taberna que era servida aos visitantes e turistas estrangeiros.

Tomé era desdentado. Um desdentado como provador de carne? Onde é que isso alguma vez se tinha visto?

Visto ou não visto, o facto certo e indelével era a qualidade do serviço prestado: o que Tomé comia sem nenhum dente, podia ser comido e degustado por todos os clientes independentemente da idade, saúde física ou dentária.

Quem não gostou do sucesso do Tomé foi o jovem dentista, recentemente instalado.
A sua propaganda consistia precisamente em propalar aos sete ventos a dificuldade que os desdentados tinham em comer. Era necessário ter o maior cuidado com a dentição.

Os aldeões replicavam:

-Isso era dantes. Agora temos o Tomé e não precisamos de dentes.

O jovem viu-se em dificuldades. A clientela era tão escassa que se tornou no único habitante da aldeia que não tinha dinheiro para comer os bifes seleccionados pelo Tomé.

Conversa puxa conversa conseguiu chegar às falas com o provador. Ofereceu-lhe uma prótese de uma qualidade tal que Tomé se deixou render: Era mais fácil comer, digeria melhor os alimentos, podia comer torresmos crocantes, roer até ao osso o entrecosto e deleitar-se com os alimentos estaladiços.

Assustado, o taberneiro viu a vida a andar para trás. O que seria de si e do seu negócio? Quem lhe escolheria a carne?

Lamentou-se ao dentista e este condoeu-se da sua situação, embora não se tivesse esquecido do mau bocado que também estava a passar. Propôs ao taberneiro que falassem ao Tomé.

-Ao Tomé? Agora que ele tem dentes quer lá saber de alguma coisa! - queixou-se.
-Não será bem assim…não custa tentar… - replicou o médico.

Juntaram-se os três e dentista propôs:

-Gostaria de comer um bife com a qualidade que a carne sempre aqui teve.

-Mas esse é que é o problema…. - manifestou-se o taberneiro.

-Não. Se o amigo Tomé tirar os dentes para seleccionar a carne…

-Mau… - hesitou o Tomé, já a ver-se privado dos novos dentes….

-Quando for comer coloca-os de novo …- sugeriu o esfomeado médico.

Um sorriso radiante surgiu na face de ambos.

-Agora só falta resolver o meu problema - alertou o esfomeado - eu peço ao amigo Tomé que fale a todos os habitantes da aldeia e aos clientes da casa, da maravilha que é cuidar dos dentes e a vantagem que é tê-los … e o preço acessível que vou levar…

-Por quem é…conte comigo…

-Connosco…- rematou o taberneiro.

-Se agora pudesse ser um bifezinho … - murmurou o desfalecido arquitecto do entendimento.

-É para já.

Jorge C. Chora

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