quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um dia aziago

Os pneus chiaram denunciando uma travagem brusca. O motorista olhou à esquerda e depois à direita. Ninguém à vista. O dia correra-lhe mal e a noite fora ainda pior. Trouxera até ali quatro clientes, os únicos que conseguira. Não conhecia a zona. Sabia que era perigosa, mas aceitara o trabalho. Quando não se tem escolha…

Estava nesta aflição, procurando a saída do bairro degradado, quando viu um homem à esquina e avançou abruptamente para recolher a informação que lhe permitisse sair dali.

-O senhor dava-me uma ajuda?

-Toda a que for precisa…

Nesse momento reparou melhor no seu interlocutor: usava óculos escuros, embora fosse noite cerrada, e tinha uma bengala para tactear o caminho. Arrependeu-se de imediato de ter parado. O azar não o largara. O dia fora mau, a noite não melhorara e agora mais este episódio.

-Não esteja a pensar que pelo facto de eu ser invisual estou impedido de o auxiliar… ora diga lá em que posso ser-lhe útil…

-Estou perdido. Dei tantas voltas ao bairro que agora não sei a quantas ando… quero sair daqui e nada…

-Não se preocupe. É um bocado difícil mas não impossível. Ajudo-o com todo o prazer mas precisava também da sua…

-Por quem é…disponha… -interrompeu-o o condutor.

-Tenho aquele sofá e os quatro cadeirões para levar para o terceiro andar. O meu irmão vem já a descer e se…

-Ajudo-o a levar a mobília…

Todo suado, soprando de cansaço mas com o dever cumprido tornou a sentar-se na viatura.

-O prometido é devido…para sair do bairro basta-lhe virar ali à esquerda e daí a uns cem metros está na rua principal. Amor com amor se paga…

De repente lembrou-se de que, no dia anterior, no Rossio, recusara transportar um invisual para aquele bairro… “Será o mesmo?”, pensou.

Ainda mal tivera tempo de reflectir quando ouviu:

-Lembra-se do que me disse ontem na estação do Rossio?

Não se recordava, mas coisa boa não fora. Um dia aziago!

Jorge C. Chora

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3 comentários:

  1. Mas porque carga de água é que um taxista se negaria a transportar um cego? (desculpa mas embirro com esse termo "bonito" invisual. Um dia ainda diremos inauditivo dum surdo; ou insonoro dum mudo;ou indeslocável dum entrevado.)
    Mas para o dia ser mesmo muito aziago o cego não seria cego e tudo seria uma cilada para assaltar o motorista que no último momento seria salvo por uma "mulher de armas" que corria os malandrins à vassourada ou até mesmo a chumbo de caçadeira.
    Pois é, mas assim o texto teria de mudar de título. Talvez " Sorte, apesar de tudo" ...

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  2. beeeem... este amadeu pirou não? Que estória macaca que ele para aqui inventou. Estava o autor cheio de boa vontade (e at´e com moral da história) e vem este arrebumba dar cabo de tudo com estas sugestões!?

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