sábado, 1 de janeiro de 2011

Com os pés de fora

Acordou zangada.Com quem, com o quê? Não sabia. Pura e simplesmente acordou assim. Os da casa, pé ante pé, rasparam-se. Foi ao frigorífico e verificou que não havia quase nada.

A contra gosto foi ao supermercado. Teve de encher o carrinho para colmatar as falhas caseiras. Irritada foi-o empurrando, com brusquidão, até que este chocou, com estrondo, contra a caixa. À sua frente estavam alguns clientes que saltaram assustados. Gozou interiormente com o sucedido e acalmou-se um bocado. Foi enchendo com as suas compras o tapete rolante.

Quando chegou a vez de ser atendida, a jovem empregada olhou para a quantidade de produtos que a cliente tinha e, quase a medo, disse-lhe:

-Peço-lhe desculpa…esta caixa é destinada a quem tiver dez ou menos artigos…

-Essa agora…era o que me faltava…nunca me tinha acontecido… - e espumava de fúria.

Condescendente, a caixeira propôs-lhe uma solução:

-Vamos dividir as suas compras em grupos de dez e vai-os pagando, um a um, porque deste modo a caixa aceita o registo.

-Então tenho de pagar às parcelas …às pinguinhas?

-Sim, mas é preciso que as pessoas que estão atrás de si a autorizem…

-Mau… se eu estou primeiro do que elas… - interrompeu, sentindo a fúria crescer-lhe de novo.

A cliente logo atrás, apressou-se a dar-lhe o consentimento. A jovem funcionária, facturou os primeiros dez artigos.

Com um evidente mau humor e um sorriso sarcástico, a cliente retirou do fundo da sua carteira, uma enorme bolsa de pano. Abriu-a e foi despejando dezenas e dezenas de cêntimos enquanto ordenava:

-Vá fazendo as contas e pagando os lotes…

A jovem reprimiu uma gargalhada e respondeu-lhe:

-Agora é que eu não posso ajudá-la. Nesta caixa só se aceitam cartões de crédito ou de débito! – e apontou-lhe as regras escritas no letreiro.

Duas horas depois, a senhora continuava a recolher os cêntimos que espalhara pelo balcão, murmurando:

-Ora abóboras…ora abóboras…

Jorge C. Chora

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