quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Uma homenagem de sucesso

O seu andar assemelhava-se ao de um balão a quem retiravam o ar. Progredia aos saltos, a uma velocidade irregular. O pior era a sonoridade que acompanhava o seu problema de flatulência. Era uma autêntica metralha, só comparável aos ataques alemães da 1ª guerra.

A princípio incomodava-o imenso o problema de saúde e as suas consequências sociais. Depois, foi conseguindo um controlo maior, até porque se formara em medicina. Passou, com a idade, a conviver muito bem com o seu mal e adoptou um modo peculiar de avisar os incautos do que ia acontecer ou do que já acontecera, anunciando:

-Fora com quem não paga a renda! Rua, rua….rua…

- Valha-nos Stª Bárbara! – exclamavam apavorados, olhando para o céu à espera da queda dos obuses, aqueles que ainda não o conheciam.

Depois de o conhecerem limitavam-se a enumerar:

-E vão sete…oito….dez…

E a vida correu sem qualquer alteração, calçada abaixo, calçada acima, com a população a cruzar-se com o clínico, no percurso que este fazia entre a casa e o consultório, entrecortado por sonoridades e apelos a Stª Bárbara.

Um dia o homem morreu. Os seus conterrâneos discutiram a melhor forma de o homenagearem. Foram unânimes na decisão de lhe mandarem erigir um busto.

No dia da inauguração houve discursos e elogios. Ninguém bateu palmas porque sentiam que a cerimónia estava incompleta. Sem aviso prévio, desencadeou-se uma forte trovoada. A multidão, a uma só voz, clamou por Stª Bárbara. Seguiram-se fortes aplausos.

Nunca uma homenagem tivera tanto sucesso.

Jorge C. Chora

2 comentários:

  1. As limitações nem sempre são impeditivas...

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  2. Nada muda o que tem de ser e o que tem de ser tem muita força. Para quando um livro para nos deliciarmos com estes contos que tanto contribuem para a boa disposição.

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