Deixava que apagassem a luz da enfermaria e abria de modo silencioso a gaveta da mesa-de-cabeceira. Palpava o seu interior, evitando fazer o mínimo barulho. Depois de encontrar o que desejava, puxava muito devagar o objecto, antegozando o prazer que ia ter ao usufrui-lo. Colocava na sua cabeça a gigantesca boina basca e suspirava, esquecendo-se das dores que o prendiam à maldita cama. Imaginava-se a circular no seu pomar e na horta, degustando os frutos e colhendo os legumes.
Um dia acenderam a luz de modo repentino e todos o viram de boina e com um grande sorriso nos lábios. Olharam-no de soslaio. Questionaram-se sobre a sanidade mental do homem: um tarado, coitado!
Perdido por um, perdido por mil! Assim pensou e decidiu o homem da boina, passando a usá-la em pleno dia, perante o espanto dos outros doentes.
Aos poucos os colegas de infortúnio foram-se habituando à ideia e surgiram pedidos que confundiram as famílias. Hoje, de manhã, os familiares reuniram-se, aflitos, no gabinete do director:
-Veja bem, senhor director, que o meu marido quer que lhe traga uma panela! Uma panela…
-E o meu, a cana de pesca!
-E o meu, nem imagina, não sei se digo…
-Diga, diga… - insistiram curiosas as queixosas.
- O meu perfume! Louvado seja Deus…
-Não se preocupem minhas senhoras…eu próprio quando visito essa enfermaria levo o meu chapéu de praia!
-Deus nos acuda! – exclamaram, enquanto se entreolhavam e saiam apressadas do gabinete, sem olharem para trás um único segundo.
Jorge C. Chora
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
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Nem sempre o que é possível é real...ou será?
ResponderEliminarTot capita quod sententiae, já diziam os latinos. Cada cabeça sua sentença, cada cabeça sua boina, cada cabeça sua panela, cada cabeça... a sua loucura!
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