sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A boina e a panela

Deixava que apagassem a luz da enfermaria e abria de modo silencioso a gaveta da mesa-de-cabeceira. Palpava o seu interior, evitando fazer o mínimo barulho. Depois de encontrar o que desejava, puxava muito devagar o objecto, antegozando o prazer que ia ter ao usufrui-lo. Colocava na sua cabeça a gigantesca boina basca e suspirava, esquecendo-se das dores que o prendiam à maldita cama. Imaginava-se a circular no seu pomar e na horta, degustando os frutos e colhendo os legumes.

Um dia acenderam a luz de modo repentino e todos o viram de boina e com um grande sorriso nos lábios. Olharam-no de soslaio. Questionaram-se sobre a sanidade mental do homem: um tarado, coitado!

Perdido por um, perdido por mil! Assim pensou e decidiu o homem da boina, passando a usá-la em pleno dia, perante o espanto dos outros doentes.

Aos poucos os colegas de infortúnio foram-se habituando à ideia e surgiram pedidos que confundiram as famílias. Hoje, de manhã, os familiares reuniram-se, aflitos, no gabinete do director:

-Veja bem, senhor director, que o meu marido quer que lhe traga uma panela! Uma panela…

-E o meu, a cana de pesca!

-E o meu, nem imagina, não sei se digo…

-Diga, diga… - insistiram curiosas as queixosas.

- O meu perfume! Louvado seja Deus…

-Não se preocupem minhas senhoras…eu próprio quando visito essa enfermaria levo o meu chapéu de praia!

-Deus nos acuda! – exclamaram, enquanto se entreolhavam e saiam apressadas do gabinete, sem olharem para trás um único segundo.

Jorge C. Chora

2 comentários:

  1. Nem sempre o que é possível é real...ou será?

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  2. Tot capita quod sententiae, já diziam os latinos. Cada cabeça sua sentença, cada cabeça sua boina, cada cabeça sua panela, cada cabeça... a sua loucura!

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