terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O pedinchão

Os olhos percorriam as redondezas sem parar. O que procuravam? Qualquer coisa, qualquer pessoa, tudo o que se mexesse e lhe pudesse dar fosse o que fosse. Pedia tudo, queria tudo, desde que não lhe custasse nada, nem um cêntimo ou um quarto de cêntimo, se esta moeda existisse. Estava longe de ser pobre: era um dos dez mais ricos da terra.

Viu o grupo do Zé Pagode ao longe e verificou em que direcção ia. Viraram à esquerda. O rumo agradou-lhe. Apressou-se para conseguir ainda apanhá-los a entrar para a baiuca. Comeu e bebeu e esgueirou-se antes de chegar a sua vez de pagar uma rodada.

O dia corria-lhe de feição. Avistou a meio da rua o novo médico da aldeia. A oportunidade era única para uma consulta à borla. Correu e conseguiu apanhá-lo.

O jovem clínico ouviu as queixas do paciente e pediu-lhe:

- Tenho de lhe observar a garganta. Encoste-se aqui à parede, levante o queixo, abra a boca, feche os olhos e vá dizendo: ááá…ááá…

Cumpriu à risca o que lhe foi ordenado. Alguns minutos depois ouviu risos e abriu os olhos. Do médico ninguém sequer soube dizer nada: esfumara-se e houve quem duvidasse da veracidade da afirmação de que o profissional de saúde ali estivera.

Atarantado com o que lhe sucedera, mais atarantado ficou ao saber pelos presentes quem era o novo João Semana:

-Ah! Foste bater à porta do sobrinho neto do Raposão!

Logo do Raposão! O único que nunca lhe pagara nada e ainda conseguira que ele lhe pagasse um copo! E pelos vistos este era pior do que o tio avô!

-Vade retro, Satanás! – exclamou com um ar ofendido o nosso pedinchão.

Jorge C. Chora

2 comentários:

  1. Caro amigo Chora e guru de todas as horas:
    devias fazer uma colectânea dos teus contos, porque neles tenho visto retratados traços infelizmente tão idiossincráticos deste nosso povo português, de que nós somos parte integrante e inalienável.
    Abraço

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