sexta-feira, 26 de abril de 2013

Os telegrafistas


Entrava como uma seta. Ao balcão pedia um café e uma miniatura e desandava para a sua mesa. Era sempre a mesma. Comia depressa o que encomendara.

Seleccionava as moedas necessárias para pagar e ia batendo com uma delas no tampo da mesa. Com os olhos fixos só ele sabia onde ia batendo, de modo ritmado durante uns minutos.

De repente tudo mudava. As batidas transformavam-se em longas, curtas e muito curtas. Era essa a impressão que causavam a quem escutava e se ia irritando à medida que o som se impunha e chamava a atenção dos presentes.

A cena repetia-se todos os dias, mais minuto menos minuto, há anos. Um dia, sem que nada o fizesse prever, quando o senhor começou a bater com a moeda, ouviu-se um tamborilar em tudo idêntico, vindo do canto oposto da sala.

De início o nosso homem nem se apercebeu que alguém batia como ele. Um bocado depois, tomou consciência dos sons e descodificou a mensagem:

-Durante anos procurei-te. Não tive sorte. Há dias, quando me disseram que um idoso como eu se sentava num café e passava horas a tamborilar, soube que só podias ser tu.

-És tu António ? – perguntou, em morse – E  soergueu-se, em busca do  amigo que não via há trinta anos.
Tinham sido telegrafistas de profissão, colegas de curso, colocados a milhares de quilómetros de distância um do outro. Era raro o dia em que não comunicavam. No meio do mato, tinham hora marcada para a troca das poucas notícias a que iam tendo acesso. Tinham sido trinta e seis anos de serviço, sempre em bolandas, transferidos segundo as necessidades de serviço existentes. Nunca tinham deixado de comunicar, até ao momento em que foram colocados em diferentes províncias do império e se reformaram.

A partir desse dia, à hora combinada, encontram-se, apertam as mãos e cada um vai para o seu canto tamborilar, para desespero de quem lá está à mesma hora.

 Jorge C. Chora

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