terça-feira, 23 de julho de 2013

A menina e os besouros

 Os escaravelhos zumbiam, tentando libertar-se dos fios que lhes prendiam as patas aos dedos das meninas que os tinham cativado na sebe dos ligustros. Em cada dedo prendiam um besouro e passeavam-se no pátio da escola, cruzando-se umas com as outras, até que ouviam a sineta a dar por findo o recreio. Cortavam os fios rente aos seus dedos e libertavam-nos, obrigando-os a transportarem o resto do fio como se fossem caudas brancas.

Dia após dia repetia-se a diversão: as flores brancas dos ligustros, pejadas de escaravelhos, eram fonte inesgotável para a apanha e prisão destes besouros voadores.

Adelaide condoía-se com a situação. Não achava justo que os prendessem e se divertissem com eles, deixando-os, no fim, presos às suas algemas de fio, que se embaraçavam nos galhos, impedindo-os de voarem.

À noite esgueirava-se do seu quarto, dirigia-se à sebe e procurava tirar os fios das patas dos besouros. O trabalho era delicado e moroso.

Um dia, enquanto se dedicava à sua missão, encontrou-se com um enorme escaravelho que se lhe dirigiu e disse:

-Em nome de todos os escaravelhos, agradeço-te a tua compreensão e bondade. Levantas-te todas as noites para nos dares a liberdade, sacrificando o teu descanso.

Adelaide assustou-se, não só com o tamanho do escaravelho mas também pelo facto de ele falar. Recomposta do susto respondeu-lhe:

-Amigo. Não gosto de vos ver sofrer. Peço desculpa do comportamento das minhas colegas. Elas não fazem por mal. Só querem divertir-se…

-Nós sabemos disso…achamos é mal que elas não tenham em conta o resultado das suas brincadeiras…mas o que havemos de fazer?

-Estejam descansados. Todas as noites virei soltar-vos dos fios com que elas vos amarram…

-Obrigado em nome de todos. Como poderemos agradecer-te pelo que estás a fazer por nós?

A menina ficou calada e depois, sem qualquer fingimento, respondeu:

-A vossa liberdade é o vosso agradecimento. Isso basta-me…

-Sabemos que tu és a única menina que não sais da escola por teres a tua mãe longe. Queres ir todos os dias dar-lhe um beijo de boas noites?

-Mas como?

Eis senão quando, três enormes besouros apareceram ao seu lado e a convidaram a subir para o seu dorso.
Uma hora depois, ao chegar a sua casa, encontrou a sua mãe a dormir e beijou-lhe ao de leve a testa, sem a acordar.

A mãe, desde essa altura, ao acordar, diz para si própria:

-É curioso, parece-me que a minha Adelaide todas as noites me vem dar um beijo de boas noites!

Jorge C. Chora


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