Os escaravelhos
zumbiam, tentando libertar-se dos fios que lhes prendiam as patas aos dedos das
meninas que os tinham cativado na sebe dos ligustros. Em cada dedo prendiam um
besouro e passeavam-se no pátio da escola, cruzando-se umas com as outras, até
que ouviam a sineta a dar por findo o recreio. Cortavam os fios rente aos seus
dedos e libertavam-nos, obrigando-os a transportarem o resto do fio como se
fossem caudas brancas.
Dia após dia repetia-se a diversão: as flores brancas dos
ligustros, pejadas de escaravelhos, eram fonte inesgotável para a apanha e
prisão destes besouros voadores.
Adelaide condoía-se com a situação. Não achava justo que os
prendessem e se divertissem com eles, deixando-os, no fim, presos às suas
algemas de fio, que se embaraçavam nos galhos, impedindo-os de voarem.
À noite esgueirava-se do seu quarto, dirigia-se à sebe e
procurava tirar os fios das patas dos besouros. O trabalho era delicado e
moroso.
Um dia, enquanto se dedicava à sua missão, encontrou-se com
um enorme escaravelho que se lhe dirigiu e disse:
-Em nome de todos os escaravelhos, agradeço-te a tua
compreensão e bondade. Levantas-te todas as noites para nos dares a liberdade,
sacrificando o teu descanso.
Adelaide assustou-se, não só com o tamanho do escaravelho
mas também pelo facto de ele falar. Recomposta do susto respondeu-lhe:
-Amigo. Não gosto de vos ver sofrer. Peço desculpa do
comportamento das minhas colegas. Elas não fazem por mal. Só querem
divertir-se…
-Nós sabemos disso…achamos é mal que elas não tenham em conta
o resultado das suas brincadeiras…mas o que havemos de fazer?
-Estejam descansados. Todas as noites virei soltar-vos dos
fios com que elas vos amarram…
-Obrigado em nome de todos. Como poderemos agradecer-te pelo
que estás a fazer por nós?
A menina ficou calada e depois, sem qualquer fingimento,
respondeu:
-A vossa liberdade é o vosso agradecimento. Isso basta-me…
-Sabemos que tu és a única menina que não sais da escola por
teres a tua mãe longe. Queres ir todos os dias dar-lhe um beijo de boas noites?
-Mas como?
Eis senão quando, três enormes besouros apareceram ao seu
lado e a convidaram a subir para o seu dorso.
Uma hora depois, ao chegar a sua casa, encontrou a sua mãe a
dormir e beijou-lhe ao de leve a testa, sem a acordar.
A mãe, desde essa altura, ao acordar, diz para si própria:
-É curioso, parece-me que a minha Adelaide todas as noites
me vem dar um beijo de boas noites!
Jorge C. Chora
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