sexta-feira, 26 de julho de 2013

Diogenizar/Um processo em curso

                                                                                                                                 
Às três da manhã, a notícia surpreendeu os noctívagos: Tinha nascido na principal maternidade do país, uma criança com a cabeça semelhante à de um cão. Meia hora depois nascia a segunda. Ao longo da noite nasceram largas dezenas de bebés com essas características. O repórter exultava com o que sucedia: que fenómeno é este que está a acontecer na capital? Em breve era obrigado a alargar  o âmbito geográfico da reportagem  porque, um pouco por todo o país, chegavam novas de recém-nascidos com cara de cão.

Pela manhã, as surpresas ainda não se tinham esgotado. O homem das notícias engasgava-se, minuto a minuto, ao contar o que se passava na maternidade central.

”Chegam a este local várias viaturas oficiais transportando inúmeras altas autoridades. Peço desculpa, chegaram todos os membros, incluindo os seus auxiliares directos. Dirigem-se para um pequeno palco, acabado de montar, em frente ao edifício, repleto de microfones. Os decisores mais credenciados tomam assento nas primeiras filas, sucedendo-lhes, por ordem hierárquica, os seus ajudantes. Os representantes das forças vivas, foram chegando e, ao fim de meia hora, a assembleia estava repleta. As televisões encontram-se a postos e espera-se, a todo o momento, uma comunicação.”

Publicidade relativa ao suicídio dos mais idosos e sobre os prémios que os seus descendentes receberiam, caso os incentivassem a cometê-lo e tivessem sucesso, interromperam a emissão.

“Sua excelência aproxima-se dos microfones. O discurso vai ter início, e será transmitido em directo quer pela rádio quer pelos outros órgãos de comunicação presentes.

-Cidadãs…cidadãos .Um passo em frente foi hoje concretizado: nasceram os primeiros concidadãos modelos do nosso país, resultado da nossa política de Diogenização. Daqui para o futuro, não mais veremos o apego aos bens materiais e externos a si próprios, tal como os salários e benesses do trabalho, colocados de modo egoísta. As suas necessidades serão mínimas, água e pão, e eles próprios abolirão as frivolidades sociais,…Viverão em casas minúsculas, terão um único fato, o de trabalho. Viverão como cães, o ideal máximo da nossa política de Diogenização. Para os relembrar, a todo o momento do ideal que lhes traçámos, trouxemos presentes em barro, que representam pequenos barris, habitações mais do que suficientes, que recordam a nossa figura inspiradora: Diógenes, o Cão.

Como não queremos ser avaros nos presentes, dar-lhes-emos também um cajado, para se apoiarem na sua longa caminhada e para se auto-flagelarem sempre que saiam do caminho de virtude que lhes oferecemos.
Finalmente, uma palavra destinada aos que não nasceram nesta época feliz: Estamos condenados a ter o que desejámos, a prescindir de viver em elegantes barris e a deambular pela cidade, procurando, de lamparina acesa, homens de virtude que (in)felizmente nunca encontraremos…

Jorge C. Chora
 


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