Ouviu um silvo perto de si. Voltou-se e viu-a: a cobra
estava empinada e silvava. O pastor avançou três passos e desferiu-lhe uma
violenta pancada com o seu cajado. A cobra ficou estendida no solo, inerte,
morta e bem morta.
Tinha acabado de comer a bucha que a sua mulher lhe tinha
preparado. O saco de papel pardo onde a sandes vinha, estava disponível.
Enrolou o animal no pulso e introduziu-o no referido saco. Guardou-o no bolso
porque se lembrou de que uma das filhas se queixara de ter contraído sarna e que
certa parte da cobra, se fosse frita, era remédio santo para a maleita.
Chegou a casa e a família ainda não regressara. Lançou o
saco para o quarto da filha e repousou na cadeira da sala.
Saiu de madrugada com o rebanho. Nunca mais se lembrara da
rastejante que devia ser frita.
Quando a filha se levantou ia morrendo de susto. Atravessada
na soleira da porta estava a cobra, bem viva, empinada de novo, silvando
furiosa.
Aos gritos acudiram os vizinhos, que lhe moveram uma perseguição em forma. O
réptil conseguiu, como por artes mágicas, escapar aos seus perseguidores.
Alguns dos habitantes da aldeia, afirmam que a viram entrar
no comboio em Tunes, outros julgam tê-la visto na estação de S. Bartolomeu de
Messines.
O certo é que muitos a viram sair do comboio na capital. Os
homens que a viram, perseguiram-na com sanha, logo seguidos por inúmeras
mulheres.
A cobra entrou na casa de banho da estação. Quando a
multidão chegou, homens e mulheres, separados, postaram-se às respectivas
portas. Vinha a sair, garantiram os homens, uma beldade de olhos verdes. Do
lado onde se encontravam as mulheres, todas foram unânimes em garantir que o
que viram foi um belo homem de olhos azuis.
Ultrapassada a barreira dos perseguidores, a pessoa que
saíra, lambeu os lábios deixando ver uma língua bífida e desapareceu na noite
Lisboeta.
Meses depois, numa consulta psiquiátrica, compareceu um
alcoólico que garantiu ter visto um enorme grupo de homens e mulheres, de
língua bífida, que de vez em quando rastejavam e pareciam ter o maior prazer em
fazê-lo.
Ao longo dos tempos há notícias que dão conta do mesmo
fenómeno em muitos pontos do país.
Jorge C. Chora
Sem comentários:
Enviar um comentário