sexta-feira, 5 de julho de 2013

A cobra empinada

Ouviu um silvo perto de si. Voltou-se e viu-a: a cobra estava empinada e silvava. O pastor avançou três passos e desferiu-lhe uma violenta pancada com o seu cajado. A cobra ficou estendida no solo, inerte, morta e bem morta.

Tinha acabado de comer a bucha que a sua mulher lhe tinha preparado. O saco de papel pardo onde a sandes vinha, estava disponível. Enrolou o animal no pulso e introduziu-o no referido saco. Guardou-o no bolso porque se lembrou de que uma das filhas se queixara de ter contraído sarna e que certa parte da cobra, se fosse frita, era remédio santo para a maleita.

Chegou a casa e a família ainda não regressara. Lançou o saco para o quarto da filha e repousou na cadeira da sala.

Saiu de madrugada com o rebanho. Nunca mais se lembrara da rastejante que devia ser frita.
Quando a filha se levantou ia morrendo de susto. Atravessada na soleira da porta estava a cobra, bem viva, empinada de novo, silvando furiosa.

Aos gritos acudiram os vizinhos,  que lhe moveram uma perseguição em forma. O réptil conseguiu, como por artes mágicas, escapar aos seus perseguidores.

Alguns dos habitantes da aldeia, afirmam que a viram entrar no comboio em Tunes, outros julgam tê-la visto na estação de S. Bartolomeu de Messines.

O certo é que muitos a viram sair do comboio na capital. Os homens que a viram, perseguiram-na com sanha, logo seguidos por inúmeras mulheres.

A cobra entrou na casa de banho da estação. Quando a multidão chegou, homens e mulheres, separados, postaram-se às respectivas portas. Vinha a sair, garantiram os homens, uma beldade de olhos verdes. Do lado onde se encontravam as mulheres, todas foram unânimes em garantir que o que viram foi um belo homem de olhos azuis.

Ultrapassada a barreira dos perseguidores, a pessoa que saíra, lambeu os lábios deixando ver uma língua bífida e desapareceu na noite Lisboeta.

Meses depois, numa consulta psiquiátrica, compareceu um alcoólico que garantiu ter visto um enorme grupo de homens e mulheres, de língua bífida, que de vez em quando rastejavam e pareciam ter o maior prazer em fazê-lo.

Ao longo dos tempos há notícias que dão conta do mesmo fenómeno em muitos pontos do país.


Jorge C. Chora

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