quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

As lamúrias do Alcagoita


Chovia que Deus dava. Ao abrigo da inclemência, António Alcagoita, de Pixelim de Cima, entregava-se ao que mais gostava de fazer: lamentar-se. Só conseguira acumular uma pequena fortuna, três mansões, alguns apartamentos e mais de três automóveis topo de gama.

Krankhouse, seu braço direito, dormia, por favor, num pequeno apartamento da Brandoa pertencente ao patrão. Este lugar de pernoita, era contabilizado como sendo metade do seu ordenado e sempre recordado como algo precioso cedido ao seu funcionário.

O que mais custava a Krankhouse era ter de escutar as lamúrias de António. Já não o podia ouvir, principalmente porque conhecia os meandros da vida do homem de Pixelim, da sua enorme preguiça e das protecções que desfrutara à custa de um familiar de Pixelim de Baixo.

Krankhouse pensava lá com os seus botões que qualquer dia o António seria castigado pelos queixumes desmesurados, constantes e despropositadas que emitia.

Um belo dia , o empresário, a conselho do seu braço direito, teve de deslocar-se ao estrangeiro em negócios. Logo no primeiro dia, foi assaltado e levaram-lhe tudo o que tinha consigo. Quando se diz tudo, foi mesmo tudo: roupa , dinheiro, documentos e telemóvel.

Tiritando de frio, pediu a quem passava, auxílio . As pessoas, ao vê-lo despido, fugiam a sete pés. Depois de algumas horas, um morador que ia a sair de casa, condoeu-se da sua situação. Foi a casa e trouxe-lhe roupa.

Logo que se vestiu, sentiu-se outro, mais quente e seguro. Minutos passados começou a maldizer a vida. Quem passava olhava-o com desprezo. Uns atiravam-lhe fruta como se fosse um macaco; outros insultavam-no e houve quem o tentasse agredir. A situação piorara e muito. Ganhou uma nova alma, quando viu no fim da rua Krankhouse.

-Krankhouse…Krankhouse..sou eu…

O funcionário, ao ver um homem escuro, vestido com roupas de muçulmano até aos pés, desatou a fugir. Quanto mais corria, mais Alcagoita gritava. Na sua perseguição a Krankhouse, acabou por se aperceber que era também perseguido por dois ou três homens de cabeça rapada que gritavam:

-Árabe de uma figa, espera até te apanharmos…

Alcagoita sentiu o medo a invadi-lo. Agora é que o caso estava malparado. Tentou correr mais depressa ainda, mas os nazis, vociferavam, cada vez mais perto:

-Vien ici…arrête…

Quase a ser apanhado, urinou-se todo e gritou a bom gritar:

-Prendam-me esses nazis! Matem-me esses bodes!

Acordou com o colchão todo molhado. Olhou em redor e exclamou:

- Ser negro, muçulmano e estar em Paris…é dose de leão…

Krankhouse, até hoje, vive intrigado com o fim das lamúrias do Alcagoita. Suspeita de intervenção divina e, pelo sim, pelo não, todos os dias Lhe agradece a mãozinha dada.

Também é, caro leitor, como o Alcagoita? Aconselho-o a ver o preço dos colchões…


Jorge C. Chora

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