Chovia que Deus dava. Ao abrigo da inclemência, António
Alcagoita, de Pixelim de Cima, entregava-se ao que mais gostava de fazer:
lamentar-se. Só conseguira acumular uma pequena fortuna, três mansões, alguns
apartamentos e mais de três automóveis topo de gama.
Krankhouse, seu braço direito, dormia, por favor, num
pequeno apartamento da Brandoa pertencente ao patrão. Este lugar de pernoita,
era contabilizado como sendo metade do seu ordenado e sempre recordado como
algo precioso cedido ao seu funcionário.
O que mais custava a Krankhouse era ter de escutar as
lamúrias de António. Já não o podia ouvir, principalmente porque conhecia os
meandros da vida do homem de Pixelim, da sua enorme preguiça e das protecções
que desfrutara à custa de um familiar de Pixelim de Baixo.
Krankhouse pensava lá com os seus botões que qualquer dia o
António seria castigado pelos queixumes desmesurados, constantes e
despropositadas que emitia.
Um belo dia , o empresário, a conselho do seu braço direito,
teve de deslocar-se ao estrangeiro em negócios. Logo no primeiro dia, foi
assaltado e levaram-lhe tudo o que tinha consigo. Quando se diz tudo, foi mesmo
tudo: roupa , dinheiro, documentos e telemóvel.
Tiritando de frio, pediu a quem passava, auxílio . As
pessoas, ao vê-lo despido, fugiam a sete pés. Depois de algumas horas, um
morador que ia a sair de casa, condoeu-se da sua situação. Foi a casa e
trouxe-lhe roupa.
Logo que se vestiu, sentiu-se outro, mais quente e seguro.
Minutos passados começou a maldizer a vida. Quem passava olhava-o com desprezo.
Uns atiravam-lhe fruta como se fosse um macaco; outros insultavam-no e houve
quem o tentasse agredir. A situação piorara e muito. Ganhou uma nova alma, quando
viu no fim da rua Krankhouse.
-Krankhouse…Krankhouse..sou eu…
O funcionário, ao ver um homem escuro, vestido com roupas de
muçulmano até aos pés, desatou a fugir. Quanto mais corria, mais Alcagoita
gritava. Na sua perseguição a Krankhouse, acabou por se aperceber que era
também perseguido por dois ou três homens de cabeça rapada que gritavam:
-Árabe de uma figa, espera até te apanharmos…
Alcagoita sentiu o medo a invadi-lo. Agora é que o caso
estava malparado. Tentou correr mais depressa ainda, mas os nazis, vociferavam,
cada vez mais perto:
-Vien ici…arrête…
Quase a ser apanhado, urinou-se todo e gritou a bom gritar:
-Prendam-me esses nazis! Matem-me esses bodes!
Acordou com o colchão todo molhado. Olhou em redor e
exclamou:
- Ser negro, muçulmano e estar em Paris…é dose de leão…
Krankhouse, até hoje, vive intrigado com o fim das lamúrias
do Alcagoita. Suspeita de intervenção divina e, pelo sim, pelo não, todos os
dias Lhe agradece a mãozinha dada.
Também é, caro leitor, como o Alcagoita? Aconselho-o a ver o
preço dos colchões…
Jorge C. Chora
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