Desceu o primeiro degrau e conseguiu equilibrar-se. Ao
segundo degrau, venceu-o a custo e ao terceiro, desequilibrou-se e teve de
descer os dez restantes numa correria semelhante à de um albatroz.
Sorriu vitorioso, encostou-se ao balcão e pediu:
-Um tinto minha senhora…
-Ó Victor, hoje foi por um triz…qualquer dia estatela-se de
vez…
-Que Deus não a ouça…oxalá Ele esteja a dormir a sesta…
Encostado ao fundo do balcão um homem de más falas
arremessou:
- Angolano de uma figa, vê lá se tens algum préstimo,
canta-nos uma cantiga da tua terra…
Victor sorriu, pigarreou e com uma voz poderosa e rouca
cantou:
“ Eu ouvi um passarinho,
Às quatro da madrugada”
…
E a sua bela voz foi abafada, pois, em coro, toda a sala o
acompanhou:
“Cantando lindas cantigas
À porta da sua amada”
….
Quando acabaram de cantar, os alentejanos presentes
acolheram-no assim:
-Compadre Victor, obrigado pela canção. Não ligue ao degenerado.
Até no Alentejo há quem não preste!
Victor sorri e diz:
-Não basta lá nascer para o ser. Felizmente muitos o são e
nunca lá foram paridos: são gente de bem, que tem honra em sentir-se dessas
terras de pão.
E, logo a seguir, bebe outro tinto e canta:
“Estala a bomba
E o foguete vai no ar”
…
A sala estremece e acompanha com alegria:
“Arrebenta e fica toda queimada
Não há ninguém que baile mais bem
Que as meninas da ribeira do Sado”
…
Entretanto, o homem
de más falas desapareceu sem que alguém desse por isso. Nunca mais lá voltou e
ninguém lhe sentiu a falta.
Jorge C. Chora
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