quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Os compadres alentejanos e o homem de más falas

                                                                                                               

Desceu o primeiro degrau e conseguiu equilibrar-se. Ao segundo degrau, venceu-o a custo e ao terceiro, desequilibrou-se e teve de descer os dez restantes numa correria semelhante à de um albatroz.
Sorriu vitorioso, encostou-se ao balcão e pediu:

-Um tinto minha senhora…

-Ó Victor, hoje foi por um triz…qualquer dia estatela-se de vez…

-Que Deus não a ouça…oxalá Ele esteja a dormir a sesta…

Encostado ao fundo do balcão um homem de más falas arremessou:

- Angolano de uma figa, vê lá se tens algum préstimo, canta-nos uma cantiga da tua terra…

Victor sorriu, pigarreou e com uma voz poderosa e rouca cantou:

“ Eu ouvi um passarinho,
Às quatro da madrugada”
E a sua bela voz foi abafada, pois, em coro, toda a sala o acompanhou:

“Cantando lindas cantigas
À porta da sua amada”
….
Quando acabaram de cantar, os alentejanos presentes acolheram-no assim:

-Compadre Victor, obrigado pela canção. Não ligue ao degenerado. Até no Alentejo há quem não preste!

Victor sorri e diz:

-Não basta lá nascer para o ser. Felizmente muitos o são e nunca lá foram paridos: são gente de bem, que tem honra em sentir-se dessas terras de pão.

E, logo a seguir, bebe outro tinto e canta:

“Estala a bomba
E o foguete vai no ar”
A sala estremece e acompanha com alegria:
“Arrebenta e fica toda queimada
Não há ninguém que baile mais bem
Que as meninas da ribeira do Sado”

 Entretanto, o homem de más falas desapareceu sem que alguém desse por isso. Nunca mais lá voltou e ninguém lhe sentiu a falta.

Jorge C. Chora


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