Afirmava-se, sem qualquer margem para dúvidas, que D.
Laurência tinha mais anos do que a viúva de Matusalém. Era nisso que
acreditavam as vizinhas, sem excepção, pois
falasse-se de quem se falasse, aí estava o comentário de D.Laurência: muito boa
pessoa, faleceu há cinquenta anos, após uma vida de sacrifício e conduta irrepreensível.
Interrogavam-se as más-línguas do bairro, como era possível
que numa freguesia como aquela em que habitavam, em que mais de 20 em cada cem
pessoas, com comportamentos pouco ortodoxos, a seu ver, D. Laurência produzisse
o comentário: muito boa pessoa, sobre alguém que nunca se tivesse casado e
tivesse uma caterva de filhos.
O marido de Laurência deitava as mãos à cabeça com os gastos
que a sua mulher fazia em livros, principalmente de História sobre os mais
diversos assuntos.. Que ele soubesse, Laurência era analfabeta, dos pés à
cabeça.
-Não sei porque gastas tanto dinheiro em livros Laurência…
-O dinheiro é meu e que eu saiba não te falta nada “Manel”…
Manel calava-se e o que é certo é que ficava embasbacado ao ouvir
as opiniões fundamentadas de Laurência sobre história, filosofia, economia, política,
literatura e sobre muitos outros assuntos.
Um dia Laurência morreu. No seu funeral compareceram
conhecidas figuras da cultura. Manel surpreendeu-se : c onhecia-os todos , como
amigos de Laurência, mas desconhecia o que faziam na vida. Todos se referiram à
sua mulher como uma sábia.
Intrigado, Manel questionou um dos amigos da mulher:
-Se Laurência era analfabeta, como chegou a sábia?
-Ela comprava e
emprestava os livros de que precisávamos. A condição era de lhe explicarmos, da
forma mais simples e clara, o seu conteúdo. Os livros tinham de ser consultados de forma a servirem
para outros, como se nunca tivessem sido manuseados.
Manuel vendeu os livros a um alfarrabista, que se
surpreendeu:
-Por que razão é que uma pessoa que nem ler sabia queria
tantos livros?
-Os sábios têm coisas assim! - respondeu-lhe Manel, perante
o ar incrédulo do comprador.
Jorge C. Chora
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