domingo, 24 de abril de 2016

A SÁBIA ANALFABETA


Afirmava-se, sem qualquer margem para dúvidas, que D. Laurência tinha mais anos do que a viúva de Matusalém. Era nisso que acreditavam as vizinhas, sem  excepção, pois falasse-se de quem se falasse, aí estava o comentário de D.Laurência: muito boa pessoa, faleceu há cinquenta anos, após uma vida de sacrifício e conduta irrepreensível.

Interrogavam-se as más-línguas do bairro, como era possível que numa freguesia como aquela em que habitavam, em que mais de 20 em cada cem pessoas, com comportamentos pouco ortodoxos, a seu ver, D. Laurência produzisse o comentário: muito boa pessoa, sobre alguém que nunca se tivesse casado e tivesse uma caterva de filhos.

O marido de Laurência deitava as mãos à cabeça com os gastos que a sua mulher fazia em livros, principalmente de História sobre os mais diversos assuntos.. Que ele soubesse, Laurência era analfabeta, dos pés à cabeça.

-Não sei porque gastas tanto dinheiro em livros Laurência…

-O dinheiro é meu e que eu saiba não te falta nada “Manel”…

Manel calava-se e o que é certo é que ficava embasbacado ao ouvir as opiniões fundamentadas de Laurência sobre história, filosofia, economia, política, literatura e sobre muitos outros assuntos.
Um dia Laurência morreu. No seu funeral compareceram conhecidas figuras da cultura. Manel surpreendeu-se : c onhecia-os todos , como amigos de Laurência, mas desconhecia o que faziam na vida. Todos se referiram à sua mulher como uma sábia.
Intrigado, Manel questionou um dos amigos da mulher:

-Se Laurência era analfabeta, como chegou a sábia?

-Ela comprava  e emprestava os livros de que precisávamos. A condição era de lhe explicarmos, da forma mais simples e clara, o seu conteúdo. Os livros  tinham de ser consultados de forma a servirem para outros, como se nunca tivessem sido manuseados.

Manuel vendeu os livros a um alfarrabista, que se surpreendeu:

-Por que razão é que uma pessoa que nem ler sabia queria tantos livros?

-Os sábios têm coisas assim! - respondeu-lhe Manel, perante o ar incrédulo do comprador.

Jorge C. Chora




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