Numa tarde de verão, ouvi o que me pareceu um bater aflito
de asas, na varanda fechada da traseira da minha casa. Fui ver e vi um periquito
que se debatia, por retornar à liberdade. Pé ante pé, abri totalmente duas das
quatro janelas de correr e retirei-me.
Duas horas depois, regressei à varanda. Não ouvi qualquer
barulho e pensei que o pássaro reconquistara os céus. Enganara-me. Ele ainda lá
estava, muito quieto, como que querendo passar despercebido. O periquito não
era idêntico aos que povoavam a minha rua e habitavam uma enorme árvore na
escola primária da Mina, na Amadora, ou aos congéneres de Benfica: não era um
periquito selvagem.
Na rua perguntei a todos os que encontrei se conheciam
alguém a quem tivesse fugido o passarinho. Descrevi-o em pormenor, das plumas à
cor dos olhos mas sem qualquer sucesso. Estranhei que não pertencesse a ninguém
e voltava à carga com os olhos vermelhos do bicharoco, inconfundíveis, um
verdadeiro passaporte para o identificar. Das duas, uma: ou viera de longe ou o
dono queria ver-se livre dele.
Acabei por lhe comprar uma grande gaiola, uma casa, sementes
e tudo o que fazia falta para o manter numa situação de conforto. Condoído com
a solidão do bicho, comprei uma fêmea e instalei-a na gaiola. Acalentei a ideia
que viriam a ter filhos.
Passaram-se meses e nada de ovos. Espantava-me com a
agressividade do periquito, que em vez de namorar a recém-chegada, que era
linda e pequenina,
lhe dava sovas de criar bicho, capaz de metamorfosear o
Sebastião come tudo sem colher, num manso e exemplar marido, libertando-o do
execrável papel de agressor.
Já as penas da “esposa” escasseavam quando decidi aprofundar
o assunto e falei com um entendido nesta variedade de pássaros.
-Com olhos vermelhos? O que o meu amigo tem em casa é uma aberração,
que não é macho nem fêmea!
-Como assim?- questionei-o, convencido, de que gozava com a
minha ignorância e com os cuidados que eu prodigalizava à passarada.
Afiançou-me a veracidade do seu diagnóstico e aconselhou-me
a devolvê-lo à liberdade. Pois sim. Como agressor que se prezava, não só não
saiu como redobrou os maus tratos à bela, pequena e triste fêmea. Agora sabia
porque ninguém se dava como dono do passaroco de olhos vermelhos.
O pior estava para vir: descobri que a “menina” que eu introduzira na gaiola, era um pequeno
e jovem macho.
A minha salvação
partiu de uma vizinha que trabalhava num infantário. Um belo dia ofereceu-se
para os levar para a enorme gaiola que existia no pátio da escola e ver como se
davam.
Dito e feito. Deram-se às mil maravilhas, viveram felizes e
contentes, para gáudio da pequenada e felicidade do ex-dono.
Jorge C. Chora
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