terça-feira, 25 de setembro de 2018

O CHEIRO A PAPEL RASGADO


                                               
Numa localidade da Beira Baixa, há mais de sessenta anos, num barracão de quintal, apresentavam-se peças de teatro amador. Os artistas eram habitantes locais, com jeito e amor à ”coisa”.

Num desses espectáculos, existia uma cena em que se deveriam queimar umas folhas de papel e o personagem diria, de modo enfático:

-Cheira-me aqui a papel queimado!

Por esquecimento ou sabe-se lá porque outro motivo, ninguém deitou fogo ao que devia e o artista em cena, não esteve com meias medidas e berrou:

-Cheira-me aqui a papel rasgado!

Encolhido a um canto, o encenador, lívido, invocava Thalia, a musa da comédia, e pedia mentalmente respeito pelos papéis que cada um deveria desempenhar e murmurava, tristonho:

-Cheira mesmo a papel rasgado…

A plateia, uns de pé e outros sentados em bancos levados de casa, de narinas bem abertas, cheirando o ar do barracão, em busca do cheiro a papel rasgado, bateu palmas à ousadia e criatividade do actor.

Pois é, aquilo eram tempos onde imperava a imaginação, em que até se botava cheiro ao papel rasgado, se desculpavam e apreciavam os devotos de Thalia.

Jorge C. Chora
25/9/2018


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