Nasceu de olhos abertos. Quando a fome apertava, berrava em
vez de chorar. À mãe secou-se-lhe o leite, mas isso não o impediu de ter a
alimentação de modo atempado.
Aprendeu ou já vinha programado, a apontar o biberão e a
emitir sinais sonoros, de tal forma audíveis e irritantes, que primeiro tinha
de ser atendido ou o berçário entrava em polvorosa.
Cresceu e alcançou a idade adulta num ápice.
Escolheu a música como meio de sobreviver mas recusou-se a aprendê-la.
Não esteve para isso.
Ganha a vida num ponto estratégico da cidade. Toca com tal
desafinação que ninguém, em juízo perfeito, deseja escutá-lo. Não há quem
recuse dar-lhe uma moeda. Se o seu valor for baixo, ele desafina com toda a
gana.
Ao fim do dia tem o saco repleto de moedas. Quem tem o
desplante de por ele passar, sem lhe doar o que ele acha merecer para não os
azucrinar, é certo e sabido que tem o dia estragado: rebenta-lhes com os
ouvidos.
Os mais jovens, mais criativos, acharam uma solução: passam
por ele com os auscultadores colocados, não sem que antes lhe desejem um sonoro
bom dia.
JORGE C. CHORA
1/6/19
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