sábado, 1 de junho de 2019

O AZUCRINADOR



Nasceu de olhos abertos. Quando a fome apertava, berrava em vez de chorar. À mãe secou-se-lhe o leite, mas isso não o impediu de ter a alimentação de modo atempado.

Aprendeu ou já vinha programado, a apontar o biberão e a emitir sinais sonoros, de tal forma audíveis e irritantes, que primeiro tinha de ser atendido ou o berçário entrava em polvorosa.

Cresceu e alcançou a idade adulta num ápice.

Escolheu a música como meio de sobreviver mas recusou-se a aprendê-la. Não esteve para isso.
Ganha a vida num ponto estratégico da cidade. Toca com tal desafinação que ninguém, em juízo perfeito, deseja escutá-lo. Não há quem recuse dar-lhe uma moeda. Se o seu valor for baixo, ele desafina com toda a gana.

Ao fim do dia tem o saco repleto de moedas. Quem tem o desplante de por ele passar, sem lhe doar o que ele acha merecer para não os azucrinar, é certo e sabido que tem o dia estragado: rebenta-lhes com os ouvidos.

Os mais jovens, mais criativos, acharam uma solução: passam por ele com os auscultadores colocados, não sem que antes lhe desejem um sonoro bom dia.

JORGE C. CHORA
1/6/19

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