Os caixões do armazém da funerária eram depositados ao ar
livre e ao sol, por três motivos: o primeiro, para que não ganhassem mofo; o
segundo, para que a madeira que eventualmente ainda estivesse verde, secasse; o
terceiro, para servirem de mostruário aos eventuais clientes.
Não contava a funerária, com um quarto aproveitamento, por
parte do António, um jovem e travesso aldeão: dormia, todos os dias, a sesta
num deles, aproveitando a ausência dos funcionários à hora do almoço.
Um dia, António viu Aurora, uma velha hortelã, que lhe fazia
a vida negra, quando o apanhava a surripiar na sua horta, a aproximar-se do seu
local da sesta. Colocou a tampa do seu féretro quase a tapá-lo e quando a
senhora por ele passava, levantou a tampa e em voz cavernosa, chamou-a:
-D. Aurora, chegou a sua hora, deite-se aqui…
D. Aurora, desmaiou, como um passarinho fulminado…
A cena foi presenciada, por mero acaso, pelo encarregado do
armazém e três funcionários, que tinham regressado mais cedo ao trabalho para
vir buscar uma encomenda. Apressaram o passo, fecharam a tampa do caixão onde
estava o brincalhão, exclamando, bem alto:
-Já estamos atrasados! Este defunto já devia estar no
crematório!
Só trinta passos depois levantaram a tampa. Um cheiro
nauseabundo, empestou o ar. O António, num salto de corsa, todo borrado,
gritava enquanto fugia a sete pés:
-Ai minha mãezinha …ai minha mãezinha…
Ainda hoje ninguém sabe do paradeiro do António Travesso.
A D. Aurora passou a ir à missa todos os dias, para
agradecer a Deus não a ter levado desta para melhor.
A agência, essa, nunca conseguiu despachar o caixão, tal o
cheiro com que ficou, embora todos os anos o coloque em saldo.
Jorge C. Chora
4/4/2020
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