Brígida, não tinha metro e meio de altura, mas era o que
estava registado no velho Bilhete de Identidade. Se estava escrito, era isso
que media. Era tão leve, que só conseguiu sair de casa, após ter negociado um
pacto com o vento.
Um dia, ao descer as escadas da traseira de sua casa,
sentiu-se levada pelo vento. Já no ar interpelou o vento:
-Mas o que estás a fazer? Coloca-me no chão por favor…
-E porque hei- de atender o teu pedido? -reagiu soprando o
vento.
-Amigo vento, sei que tens de soprar, levar as sementes para
todo o lado, refrescar as gentes, empurrar as nuvens … mas não é tua obrigação
levar-me a voar…
E o vento respondeu-lhe:
-Olha, se não gostas de voar, ao saíres de casa, encosta-te
aos muros altos e não corras…
-Obrigado amigo. Assim posso continuar a deixar-te, nos dias
em que estás calmo, as janelas da minha cozinha aberta…
-Agradeço-te, adoro o aroma dos teus cozidos e então dos guisados
…. E o vento fazia remoinhos, só de
pensar nos cheirinhos.
Acordo é acordo e a Brígida, todos os dias saía, encostada a
um grande muro. Ia até casa da amiga Helena, acompanhada pelo vento a
assobiar-lhe, a marcar-lhe o passo a compasso dos seus pequenos passos.
Ao chegar, esperava-a o silvo da velha chaleira a fazer o
chá que ambas, religiosamente bebiam, acompanhado de torradas feitas na chapa,
ao lume do fogão. Deixavam a “porcaria” da torradeira em eterno descanso, pois
de modernices já andava o mundo cheio.
E as tardes passavam-se, com elas a deplorarem o mundo e a
endireitá-lo, sabendo de antemão que nem mesmo assim o emendavam.
Na hora de regressar a casa, cosia-se de novo ao muro,
rezando para que o vento cumprisse o acordo e não a colocasse de novo a voar.
E naquele dia sucedeu algo que a irritou profundamente.
Perto de casa, cruzou-se com uma aldeã que lhe perguntou:
- Ó Brígida, desde quando aprendeste a voar?
-Como assim?
E ela explicou-lhe que vira a sua roupa a voar.
-Ai é?
E ao chegar a casa, fechou as janelas da cozinha e admoestou
o vento:
-Olha, hoje vou fazer cozido e nem penses que vais
cheirá-lo…
Jorge C. Chora
24/4/2020
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