sexta-feira, 24 de abril de 2020

BRÍGIDA, A MULHER VOADORA.



Brígida, não tinha metro e meio de altura, mas era o que estava registado no velho Bilhete de Identidade. Se estava escrito, era isso que media. Era tão leve, que só conseguiu sair de casa, após ter negociado um pacto com o vento.
Um dia, ao descer as escadas da traseira de sua casa, sentiu-se levada pelo vento. Já no ar interpelou o vento:
-Mas o que estás a fazer? Coloca-me no chão por favor…
-E porque hei- de atender o teu pedido? -reagiu soprando o vento.
-Amigo vento, sei que tens de soprar, levar as sementes para todo o lado, refrescar as gentes, empurrar as nuvens … mas não é tua obrigação levar-me a voar…
E o vento respondeu-lhe:
-Olha, se não gostas de voar, ao saíres de casa, encosta-te aos muros altos e não corras…
-Obrigado amigo. Assim posso continuar a deixar-te, nos dias em que estás calmo, as janelas da minha cozinha aberta…
-Agradeço-te, adoro o aroma dos teus cozidos e então dos guisados ….  E o vento fazia remoinhos, só de pensar nos cheirinhos.
Acordo é acordo e a Brígida, todos os dias saía, encostada a um grande muro. Ia até casa da amiga Helena, acompanhada pelo vento a assobiar-lhe, a marcar-lhe o passo a compasso dos seus pequenos passos.
Ao chegar, esperava-a o silvo da velha chaleira a fazer o chá que ambas, religiosamente bebiam, acompanhado de torradas feitas na chapa, ao lume do fogão. Deixavam a “porcaria” da torradeira em eterno descanso, pois de modernices já andava o mundo cheio.
E as tardes passavam-se, com elas a deplorarem o mundo e a endireitá-lo, sabendo de antemão que nem mesmo assim o emendavam.
Na hora de regressar a casa, cosia-se de novo ao muro, rezando para que o vento cumprisse o acordo e não a colocasse de novo a voar.
E naquele dia sucedeu algo que a irritou profundamente. Perto de casa, cruzou-se com uma aldeã que lhe perguntou:
- Ó Brígida, desde quando aprendeste a voar?
-Como assim?
E ela explicou-lhe que vira a sua roupa a voar.
-Ai é?
E ao chegar a casa, fechou as janelas da cozinha e admoestou o vento:
-Olha, hoje vou fazer cozido e nem penses que vais cheirá-lo… 

Jorge C. Chora

  24/4/2020

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