quarta-feira, 20 de maio de 2020

O MONSTRO VOADOR OU O DIA EM QUE O MAR MUDOU DE COR/MEMÓRIAS DA BEIRA DE HÁ MAIS DE CINQUENTA ANOS




Seriamos uns seis a cavalgar as ondas, montados numa grande câmara de ar de trator. De repente, alguém lançou um grito estridente e aflito:
- Cuidado…saiam depressa…
Só não gelámos por mero acaso. Vindo do fundo do mar, surgiu um enorme monstro cornudo, com asas, que voava e nadava, para logo de seguida voltar a voar. E o estupor vinha ao nosso encontro, na nossa direcção, muito próximo.
Ainda hoje não acredito na velocidade com que saímos do mar.
O monstro só podia ser surdo pois se não fosse, teria sido morto a grito, tantos foram os berros com que o mimoseámos. E ele, moita, continuava a voar, a pousar e a nadar, com um desprezo   olímpico pelos nossos gritos de guerra acagaçados.
Um pai que tinha sido alertado, surgiu munido de artilharia adequada e deu início a uma medonha fuzilaria.  E o monstro continuava a nadar, a voar e a afastar-se aos poucos, para alto mar.
Tenho a impressão, embora não garanta, que no sítio onde tínhamos saído à pressa, o mar se tinha tornado acastanhado. Talvez tal facto, se tivesse ficado a dever, não a descargas intestinais, mas às algas que o monstro tinha para lá deslocado. Decididamente eram algas. Nunca discutimos o acontecimento, portanto, ele pura e simplesmente nunca existiu.
Esgotados pelas emoções, nunca nenhum de nós confessou ter tido pesadelos com o monstro voador. Todos dormimos o sono de heróis, esquecidos do acastanhado do mar.
O monstro era somente uma enorme jamanta, que nenhum de nós tinha jamais visto e veio a aparecer morta, na praia do Régulo Luís.
Isto passou-se há mais de cinquenta anos, na “minha” praia do Macúti, a três ou quatro paredões do farol, na cidade da Beira, em Moçambique, tirando, claro, os exageros da pintura e as descargas intestinais que, para todos os efeitos, nunca existiram.

Jorge C. Chora
20/5/2020

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