sexta-feira, 22 de maio de 2020

OS AÇOITES



Raro era o dia em que não ia ver o jaguar ao stand. Mirava-o e remirava-o. Ficava extasiado. Adorava-lhe as linhas, as jantes, a cor…

Um dia conseguiu comprá-lo. Foi passear ao Estoril e a Cascais e até comeu um sorvete na Santini.
Agora, todos os sábados de manhã, bem cedo, Manuel sai de casa, transportando um cordão de seda, com alguns nós. Acerca-se, pé ante pé, da sua luxuosa e potente viatura. Olha em redor e assegura-se de que não há vivalma. Certo de que ninguém o observa, zurze o bólide com toda a gana durante alguns minutos.

Enquanto dura a cena, murmura: toma lambão…nem dinheiro me deixas para andar contigo… ainda mal te paguei e já vales tão pouco…eu digo-te.
Em seguida, lava-o e limpa-o com extremo cuidado, por dentro e por fora. Terminada a limpeza, recolhe-se amaldiçoando o dia em que comprou aquele monstro de milhares de euros.

Um destes dias, um jovem vizinho elogiou-lhe a ”bomba”. Manuel, logo ali propôs vender-lho, em prestações suaves, durante um prazo dilatado. O jovem agradeceu, mas declinou a oferta.

Uma semana após este episódio, Manuel, para além do sábado, passou a açoitar o “malvado” também ao domingo e pensa começar a fazê-lo, dia sim dia não, agora que está confinado.

    Jorge C. Chora
In “JORNAL DA AMADORA”
    DE 27/2/ 1992
Adaptado em 21/5/2020

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