Raro era o dia em que não ia ver o jaguar ao stand. Mirava-o
e remirava-o. Ficava extasiado. Adorava-lhe as linhas, as jantes, a cor…
Um dia conseguiu comprá-lo. Foi passear ao Estoril e a
Cascais e até comeu um sorvete na Santini.
Agora, todos os sábados de manhã, bem cedo, Manuel sai de
casa, transportando um cordão de seda, com alguns nós. Acerca-se, pé ante pé, da
sua luxuosa e potente viatura. Olha em redor e assegura-se de que não há
vivalma. Certo de que ninguém o observa, zurze o bólide com toda a gana durante
alguns minutos.
Enquanto dura a cena, murmura: toma lambão…nem dinheiro me
deixas para andar contigo… ainda mal te paguei e já vales tão pouco…eu digo-te.
Em seguida, lava-o e limpa-o com extremo cuidado, por dentro
e por fora. Terminada a limpeza, recolhe-se amaldiçoando o dia em que comprou
aquele monstro de milhares de euros.
Um destes dias, um jovem vizinho elogiou-lhe a ”bomba”.
Manuel, logo ali propôs vender-lho, em prestações suaves, durante um prazo
dilatado. O jovem agradeceu, mas declinou a oferta.
Uma semana após este episódio, Manuel, para além do sábado,
passou a açoitar o “malvado” também ao domingo e pensa começar a fazê-lo, dia
sim dia não, agora que está confinado.
Jorge C. Chora
In “JORNAL DA AMADORA”
DE 27/2/ 1992
Adaptado em 21/5/2020
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