terça-feira, 7 de julho de 2020

O CORNETEIRO DE QUARTEIRA


Há já muitas luas, tinha o hábito de passar as férias de verão em Quarteira. Vou fala-vos de um tempo onde as gozei no parque de campismo, após as ter tido também em casa de uns grandes amigos nossos, quer em Loulé quer em Quarteira.

O parque rebentava pelas costuras. Eram inúmeros os estrangeiros que o frequentavam, principalmente jovens adultos. O tempo não era de falsos pudores. No redondel ao ar livre, muitos casais tomavam banho como tinham vindo ao mundo e ninguém abria a boca de espanto, embora alguns dos exemplares fossem de truz. Na praia do campismo a moda de Adão e Eva estava em voga.

O convívio com os nacionais e estrangeiros estabelecia-se de um modo instintivo, natural. Pela tardinha, regressados da praia, tomados os banhos e enquanto se preparava a refeição, partilhava-se uma bebida com os vizinhos, muitas vezes casais estrangeiros.

À noite conversava-se ao ar livre, até certa hora, sem incomodar.

Havia também, naquela época, um corneteiro que tocava a alvorada, todas as manhãs, sem falta. Nunca o conheci. O que é certo é que as boas-vindas ao nascer de um novo dia eram dadas com vigor e alegria. Ninguém se queixava daquela forma de acolher o nascer- do -sol ou, levava a mal aquela forma particular de comemorar o despontar do dia.

No sítio onde montava o nosso atrelado tenda, residia um inglês, dono de um barco de pesca de alto mar. Partia todos os dias, com turistas e regressava com enormes peixes azuis que amanhava à machadada. Algumas vezes eram preparados em cima do capôt do velho e ruidoso Ford 17 M, que expelia mais fumo do que uma chaminé a carvão e que só pegava de empurrão. O velho inglês era um ouvinte compulsivo de ópera em altos berros e um apreciador notável de brandis, nomeadamente do “1920”. Recebíamos a sua visita quase todos os dias e só partia quando o combustível se esgotava. Não me recordo do seu nome mas era um patusco que se recusava a viver nas casa que tinha na cidade. Era ali, no parque que adorava viver, tal como muitos outros que lá estavam, por gosto e convívio, acordados pelo corneteiro, que eu nunca conheci.

Outros tempos. Era a década de oitenta, fins da de setenta.

Jorge C. Chora
   7/7/2020

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