domingo, 16 de maio de 2021

JOÃO E MARIA

 

                                                          

                                                                      I

No primeiro dia de aulas, João Schneider reparou em Maria Vitória. Admirou-lhe o porte, a elegância no andar, o pescoço comprido e delgado, a simplicidade requintada no vestir. Tudo nela lhe agradou.

Schneider era filho de mãe portuguesa e pai sul-africano, de origem alemã. Devido às consecutivas viagens dos pais para Portugal, por motivo de negócios, estes resolveram internar o filho num colégio, preparando uma futura fixação definitiva no país.

João aproximou-se de Maria, apresentou-se e perguntou-lhe:

-Não conheço aqui ninguém. Tu conheces?

-Também não…  respondeu Maria, algo surpreendida pela abordagem tão direta.

- Importas-te que fique ao teu lado na carteira? -perguntou-lhe João.

Envergonhou-se de dizer não, assentiu com um aceno de cabeça.

Quando os professores os quiseram colocar em lugares distintos, João, com um sorriso cativante, esclareceu:

- Eu e a Maria somos amigos, damo-nos muito bem e estamos habituados a estar juntos sempre que podemos.

Para surpresa da Maria, não lhes fizeram perguntas, o argumento colheu e deixaram-nos lado a lado.

Maria olhou, pela primeira vez, com olhos de ver, o seu companheiro de carteira. Olhos enormes e castanhos, uma cabeça grande e cabeluda. O nariz também grande e um tanto batatudo, uma boca carnuda e os dentes, ai os dentes! alinhados e perfeitos!

Quanto à altura, tinham os dois sensivelmente a mesma. Simpatizou com ele, embora o achasse um tanto ou quanto atrevido, o que na verdade, até nem lhe desagradou. Por ela, levaria bastante tempo a aproximar-se, por simples timidez.

Tornaram-se unha e carne. Só quando as aulas terminavam se separavam. Ela ia para a parte feminina do colégio e ele para a masculina.

Em seu redor formou-se um grupo heterogéneo de amigos, entre os quais se contavam a Filipa, da Ilha Terceira, Edgar, de Cabo Verde, Tomé, do Algarve e Louise, uma parisiense, filha de emigrantes portugueses.

                                                                     II

 

Para além das aulas e dos intervalos em que estavam juntos, só aos domingos se encontravam de novo, pois a ida à missa era obrigatória. No período da tarde, só podiam sair durante duas horas, acompanhados pelos prefeitos, após as quais tinham de regressar ao colégio.

O encantamento entre João e Maria foi crescendo dia a dia. Passaram a dar-se as mãos sempre que podiam. À medida que o tempo passava, as mãos estavam sempre dadas mesmo nas aulas, pois João era ambidextro e podia escrever com a mão esquerda, tendo a direita ocupada a segurar a mão da Maria.

O primeiro beijo não tardou. Foi ao de leve, um roçar de lábios, mas contou como beijo, quando a professora se voltou para o mapa. Eram oficialmente namorados e a turma testemunhou a data, o acontecido, o inédito da situação, o beijo em plena aula de geografia!

Daí por diante foi um sufoco, encontrar ocasiões para se poderem beijar e abraçar, sem que a situação fosse notada e alvo de recriminações por parte dos prefeitos ou dos docentes.

Temiam todos os dias serem separados, não poderem estar de mãos dadas, a pressionarem e a afagarem com o polegar, as costas das mãos um do outro.

Os colegas protegiam-nos, formavam círculos em seu redor, fingiam jogos de empurra para que eles se abraçassem nos intervalos, sob os olhares inquisitoriais dos vigilantes sem que eles se apercebessem.

Os domingos eram aguardados com ansiedade. Tinham descoberto um modo de se encontrarem na igreja. Maria deixava-se ficar na última fila das alunas do feminino e devagar, ia recuando, fila a fila até se juntar aos rapazes e ao João. Depois, sorrateiramente, protegidos pelos colegas, escondiam-se no confessionário.

Era a hora do paraíso. Descobriram-se mutuamente, tocando-se onde nunca tinham pensado.

Todos os domingos, a santa missa era sagrada e o ofício da entrega, era oferecido à Virgem, com todo o amor, e por isso, merecedor de perdão.

Tantas foram as vezes que foram ao confessionário que o inevitável aconteceu: A bela e terna Maria engravidou.

Após um período de escândalo, aliás bastante curto, ambos os pais, certos do amor dos filhos,

resolveram casá-los.

 A cerimónia decorreu na presença de largas centenas de convidados e também dos colegas e amigos do casal. A nenhuma das famílias faltava dinheiro e posição social.

O dia do nascimento do bebé foi aguardado com espectativa por todos.

A data chegou mais cedo do que o esperado. O recém-nascido era prematuro, nasceu saudável

mas de uma cor diferente dos pais.

Só Maria e os seus pais se alegraram. As perguntas ficariam para depois, o que interessava agora era o bebé, pensaram os grandes proprietários portuenses.

João e os pais, mal se aperceberam do caso, renegaram o filho de Maria:

-Não é nosso! Só Maria sabe de quem é! Ela que fique com ele!

E Maria ficou com o seu príncipe, a quem só não sufocou com beijos por milagre.

João acusou Edgar de ser o pai, de o ter traído, mas quanto a Maria, essa, era uma meretriz.

 

                                                                     III

O irmão mais velho de Edgar era médico e um apaixonado pela genealogia. Achou muito estranho o caso, até porque o seu irmão padecia de azooespermia devido a um grave acidente tido na infância.

Este jovem médico já ouvira falar de um caso semelhante, que seu pai lhe contara na sua adolescência. Não se recordava se o pai tinha lido, se ouvira ou se imaginara…

De qualquer modo, a pista para deslindar o caso, lembrava-se vagamente, residia nos antepassados…

Dotado da certidão de casamento de Maria, o médico aproveitou estar de férias, foi à Torre do Tombo e durante um mês, dedicou-se ao seu passatempo preferido.

Recuou no tempo e no espaço e deslindou o caso. Os antepassados da mãe de João Schneider descendiam de escravos da região de uma freguesia alentejana que tinham, curiosamente. sido alforriados por um rico antepassado da Maria, que se viria a casar com uma rica herdeira do Douro Vinhateiro quando lá fora tratar de negócios.

Uma escrava alforriada, tinha-se casado com um artífice alemão, um tal Scheneider e tinham partido para África.

Maria viria a apaixonar-se pelo irmão de Edgar. Nunca mais quis saber de João Scheneider que felizmente desapareceu sem deixar rasto e não poluiu a mente do filho da bela e terna Maria.

 

Jorge C. Chora

16/05/2021

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