Ainda o sol não nascera e já o homem estava de pé, vestido e
pronto para ir para o serviço. Ao fim de semana, o que mais desejava era dormir
até tarde.
O pior é que o seu desejo era pura e simplesmente
irrealizável. Logo que o sol nascia, o papagaio do vizinho desatava a palrar e
a assobiar tão alto que o impedia de dormir. Mil vezes injuriou o maldito
papagaio.
De tanto pensar em calar o pássaro, começou a ter
pensamentos assassinos. Da sua janela tinha um ângulo capaz de o liquidar.
Seria um descanso definitivo. O passaroco entregaria a alma ao criador ainda
jovem e ficaria ao lado do deus da passarada. Era até um fim glorioso, ainda
que imerecido para tão irritante ave.
Acabou por cair em si. Ele não era um matador e coitado do
desgraçado, ser morto por ser barulhento era pouco digno.
Naquele fim de semana, ferrado no sono, foi acordado por uma
chinfrineira medonha pelo danado do papagaio. Levantou-se furioso, vestiu o
roupão e desceu as escadas a todo a vapor, qual chaleira a ferver.
Foi ter com o vizinho e perguntou-lhe quanto queria pelo
papagaio.
-Eu não o vendo. É um amigo.
-Pago-lhe qualquer preço!
Vendo a oportunidade do negócio, cobrou-lhe uma fortuna por
ele.
Feliz com a aquisição, meteu-se no carro em direção à serra
de Monsanto e aí chegado, abriu a gaiola e despediu-se do bicho:
-Estás livre. Vai para onde quiseres. Arranja uma namorada
que seja surda e abala com ela!
No regresso a casa suspirou de alívio com o pensamento de
poder, a partir daí, dormir o sono dos justos ao fim de semana.
Passou toda a semana ansioso pela chegada do fim de semana.
Agora ia poder dormir à vontade.
Qual não foi o seu espanto, logo seguido por uma imensa
raiva, ao acordar com uma barulheira infernal. Apurou o ouvido e percebeu que
se tratava de um pássaro.
- Ora querem lá ver que o estupor do bicho voltou para casa!
E paguei eu uma fortuna e ele faz-me esta desfeita?
Levantou-se e desceu a escada, de quatro em quatro degraus,
como se fosse um canguru aos saltos.
Bateu à porta do vizinho e quando ele a abriu não se
conteve:
- O estupor do animal voltou para casa?
- Não meu amigo. Com o dinheiro que me deu, comprei dois
papagaios e ainda comida para quase um ano!
Desta vez o homem não ofereceu dinheiro. Foi à farmácia e
comprou dois tampões para os ouvidos.
-Por que não me lembrei antes disto!
Jorge C. Chora
8/8/2024