sexta-feira, 9 de agosto de 2024

O REGRESSO DO PÁSSARO

 


Ainda o sol não nascera e já o homem estava de pé, vestido e pronto para ir para o serviço. Ao fim de semana, o que mais desejava era dormir até tarde.

O pior é que o seu desejo era pura e simplesmente irrealizável. Logo que o sol nascia, o papagaio do vizinho desatava a palrar e a assobiar tão alto que o impedia de dormir. Mil vezes injuriou o maldito papagaio.

De tanto pensar em calar o pássaro, começou a ter pensamentos assassinos. Da sua janela tinha um ângulo capaz de o liquidar. Seria um descanso definitivo. O passaroco entregaria a alma ao criador ainda jovem e ficaria ao lado do deus da passarada. Era até um fim glorioso, ainda que imerecido para tão irritante ave.

Acabou por cair em si. Ele não era um matador e coitado do desgraçado, ser morto por ser barulhento era pouco digno.

Naquele fim de semana, ferrado no sono, foi acordado por uma chinfrineira medonha pelo danado do papagaio. Levantou-se furioso, vestiu o roupão e desceu as escadas a todo a vapor, qual chaleira a ferver.

Foi ter com o vizinho e perguntou-lhe quanto queria pelo papagaio.

-Eu não o vendo. É um amigo.

-Pago-lhe qualquer preço!

Vendo a oportunidade do negócio, cobrou-lhe uma fortuna por ele.

Feliz com a aquisição, meteu-se no carro em direção à serra de Monsanto e aí chegado, abriu a gaiola e despediu-se do bicho:

-Estás livre. Vai para onde quiseres. Arranja uma namorada que seja surda e abala com ela!

No regresso a casa suspirou de alívio com o pensamento de poder, a partir daí, dormir o sono dos justos ao fim de semana.

Passou toda a semana ansioso pela chegada do fim de semana. Agora ia poder dormir à vontade.

Qual não foi o seu espanto, logo seguido por uma imensa raiva, ao acordar com uma barulheira infernal. Apurou o ouvido e percebeu que se tratava de um pássaro.

- Ora querem lá ver que o estupor do bicho voltou para casa! E paguei eu uma fortuna e ele faz-me esta desfeita?

Levantou-se e desceu a escada, de quatro em quatro degraus, como se fosse um canguru aos saltos.

Bateu à porta do vizinho e quando ele a abriu não se conteve:

- O estupor do animal voltou para casa?

- Não meu amigo. Com o dinheiro que me deu, comprei dois papagaios e ainda comida para quase um ano!

Desta vez o homem não ofereceu dinheiro. Foi à farmácia e comprou dois tampões para os ouvidos.

-Por que não me lembrei antes disto!

 

Jorge C. Chora

     8/8/2024

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