Emília “Barbuda” era hortelã, mas quando necessário era tudo
mais alguma coisa: pedreira, cozinheira, barbeira e pescadora.
Barbuda não era apelido, mas alcunha, pois, se havia gente
barbuda ela era uma delas. Era-o exterior e interiormente. O púbis era tão
farfalhudo que ela tinha de o enrolar como se fosse a barba de um chinês. O
marido sempre que a queria amar dizia-lhe: mostra-me o chinês -e ela apressava-se
a puxar a barbicha para cima ou para o lado para não perturbar a ação.
Um dia o marido adoeceu e fazia falta um elemento no barco
de pesca em que ele trabalhava como pescador.
Emília estava habituada às lides da pesca. O seu pai já era pescador,
os seus irmãos e o marido também.
Colocou o seu barrete de dois cornichos e alá que se faz
tarde.
Estava-se a meio do século XVII e a vida na Ericeira era dura
ou melhor dizendo, muito dura para a família de Emília Barbuda. Tinham de
aproveitar tudo ou ainda acabavam por ter de suplicar à Santa Casa da Misericórdia
algum dote para poderem sobreviver.
Embarcou Emília “Barbuda” bem cedo, em manhã de nevoeiro, com
rumo ao mar de Cascais onde lhes tinham dito, no dia anterior, que havia peixe
abundante.
Quase a chegarem ao seu destino de pesca, surgiu-lhes um
barco de piratas mouros, mouros de Argel, assim designados porque levavam para
aquelas paragens os cativos para os venderem.
A “Barbuda” estava à proa e assim que os viu, lançou um
berro aterrador, semelhante a um ronco de vulcão, levantando os braços e
agitando um facalhão com que esventrava o peixe que cozinhava a bordo, subindo
as saias e mostrando a grande barba de chinês e na cabeça os cornichos que no
meio da neblina pareciam fumegar.
Por instinto e puro medo, a mourama, à cautela desviou o
barco e passou ao largo com os pescadores a insultarem-nos forte e feio,
seguindo o exemplo da “Barbuda”, como se estivessem com vontade de os comer
vivos.
Antes que os mouros decidissem voltar, os ericeirenses puseram-se
ao fresco, parecendo voar em vez de navegar.
Eram assim as mulheres dos jagozes e só não fizeram uma
estátua à” Barbuda” porque não sabiam como apresentar a barba do chinês.
Jorge C. Chora
23/8/2024
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