sexta-feira, 23 de agosto de 2024

A BARBUDA

 


Emília “Barbuda” era hortelã, mas quando necessário era tudo mais alguma coisa: pedreira, cozinheira, barbeira e pescadora.

Barbuda não era apelido, mas alcunha, pois, se havia gente barbuda ela era uma delas. Era-o exterior e interiormente. O púbis era tão farfalhudo que ela tinha de o enrolar como se fosse a barba de um chinês. O marido sempre que a queria amar dizia-lhe: mostra-me o chinês -e ela apressava-se a puxar a barbicha para cima ou para o lado para não perturbar a ação.

Um dia o marido adoeceu e fazia falta um elemento no barco de pesca em que ele trabalhava como pescador.

Emília estava habituada às lides da pesca. O seu pai já era pescador, os seus irmãos e o marido também.

Colocou o seu barrete de dois cornichos e alá que se faz tarde.

Estava-se a meio do século XVII e a vida na Ericeira era dura ou melhor dizendo, muito dura para a família de Emília Barbuda. Tinham de aproveitar tudo ou ainda acabavam por ter de suplicar à Santa Casa da Misericórdia algum dote para poderem sobreviver.

Embarcou Emília “Barbuda” bem cedo, em manhã de nevoeiro, com rumo ao mar de Cascais onde lhes tinham dito, no dia anterior, que havia peixe abundante.

Quase a chegarem ao seu destino de pesca, surgiu-lhes um barco de piratas mouros, mouros de Argel, assim designados porque levavam para aquelas paragens os cativos para os venderem.

A “Barbuda” estava à proa e assim que os viu, lançou um berro aterrador, semelhante a um ronco de vulcão, levantando os braços e agitando um facalhão com que esventrava o peixe que cozinhava a bordo, subindo as saias e mostrando a grande barba de chinês e na cabeça os cornichos que no meio da neblina pareciam fumegar.

Por instinto e puro medo, a mourama, à cautela desviou o barco e passou ao largo com os pescadores a insultarem-nos forte e feio, seguindo o exemplo da “Barbuda”, como se estivessem com vontade de os comer vivos.

Antes que os mouros decidissem voltar, os ericeirenses puseram-se ao fresco, parecendo voar em vez de navegar.

Eram assim as mulheres dos jagozes e só não fizeram uma estátua à” Barbuda” porque não sabiam como apresentar a barba do chinês.

Jorge C. Chora

23/8/2024

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