Numa praceta exígua,
ergueram uma estátua a um activo colaborador da ditadura. Um homem que a
detestava, dedicou -lhe durante a sua vida um ódio de estimação e transmitiu-o
ao filho. Quando o pai morreu , o filho herdou-lhe os parcos haveres e o ódio
de estimação.
A atitude saiu-lhe muito cara e ao mesmo tempo desgastante.
Como assim? Calma que eu conto. A praceta ficava-lhe a meio caminho entre a
habitação e o local de emprego e era o percurso mais curto que podia realizar.
Pouparia quase vinte minutos no trajecto, com todas as vantagens daí
decorrentes.
Depois de se consumir, durante anos, para evitar passar pelo
local, achou que devia alterar a sua posição. O ódio herdado permanecia
incólume mas optaria por passar pela praceta todos os dias.
Logo no primeiro dia, ao passar bem em frente à estátua, uma
dor de barriga súbita, resultado de uma forçada retenção de gases, fê-lo parar
e contrair-se. Não é tarde nem é cedo! Mostro-lhe o desprezo que ele me merece
e ainda me alivio, pensou. Dito e feito.
De forma pontual e sem falhas, todos os dias, repetia o
gesto e os sons, o culto do desprezo e da saúde.
Um dia acabou por reparar que estava rodeado de pessoas que
repetiam com exactidão tudo o que ele fazia. A única diferença é que tinham
mudado a estátua, ninguém sabia quem ela representava e, na sua frente, existia
um grande cartaz que baptizava a praça com outro nome: Praça da flatulência.
O número de pessoas a seguir o ritual não tem cessado de
aumentar.
Jorge C. Chora
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