quarta-feira, 14 de setembro de 2016

E SE LESSE AOS MAIS PEQUENOS?/O LOBO TREME-TREME


Com a sua voz rouca e de fazer arrepiar, mostrava a sua boa disposição, cantarolando esperançado:

- A seguir a uma, irá outra, ovelhas não me faltarão e fartar-me-ei, por mais alambazado que eu possa ser. Elas farão fila para que eu me possa saciar, só temo que me possa fartar…

E o grande lobo Treme-Treme caminhava dançando até ao local onde espreitava o enorme, fértil e verdejante vale, onde nem um rio faltava. Os olhos abriam-se-lhe de cobiça e salivava ao ver as inúmeras ovelhas que lá pastavam.

“Mas eu nunca, mas nunca, me poderei fartar” pensava, tremendo de ansiedade, antecipando o dia em que iria ferrar o dente naquela tenra carne.

Sabia que os rebanhos ali presentes eram constituídos por dez famílias e obedeciam aos dez carneiros mais velhos de cada uma delas.

Raro era o dia em que não pensava no modo de ficar com essas terras e alimentar-se à custa do rebanho.

Decidiu arranjar um modo de fazer amizade com os chefes. A oportunidade surgiu quando um dos cordeirinhos escapou à vigilância dos pais e saiu do vale. Apressou-se a segui-lo e a recuperá-lo. Guardou-o durante dois dias e ao terceiro, apresentou-se no vale.

Os dez chefes, logo que o viram, fizeram um círculo amplo, baixaram as cabeças e apontaram-lhe os grandes cornos, de forma a cercá-lo e a fazer-lhe frente.

- Venho em paz. Trago-vos um membro da vossa família que encontrei perdido na floresta…

Um dos carneiros, o que parecia ter maior ascendente no grupo, aproximou-se, acolheu os recém-chegados e enquanto agradecia ao lobo a sua acção, enviou o pequeno para ao pé da mãe que aliás, já acorria aos balidos da sua cria.

Todas as semanas o visitante trazia uma cria tresmalhada e o rebanho habituou-se a vê-lo como o seu protector.

 O lobo resistia aos seus impulsos. Nesse dia esteve quase a sucumbir-lhes, chegando a abocanhar o tenro cordeiro que ia devolver ao lar. Só conseguiu dominar-se ao pensar que não estava longe o dia em que os poderia comer até saciar-se.

Durante as visitas, ia tomando conhecimento dos pastos mais ricos e perguntando ao carneiro
mais importante:

-É evidente que esses pastos são seus, não é verdade?

E o carneiro respondia-lhe que não e apontava os que pertenciam à família, bem mais pobres do que os outros
.
-Como é que isso é possível coordenador-chefe? Isso revela falta de respeito! Os outros é que têm o que deveria ser seu por direito?

Sempre que estava com o coordenador insinuava a ideia, repetia-a e pedia desculpa de a repetir.

Aos poucos, em relação aos outros nove, foi levantando a suspeita de que o coordenador se achava no direito de ter as melhores terras, porque era, simplesmente, o que mandava.

Em breve reinou a discórdia. Estabeleceram-se alianças com o lobo que as efectuou, em segredo, com todos eles. Foi marcado um dia para que cada um deles se impusesse aos outros, julgando todos poder contar com o lobo Treme-Treme como aliado.

Teve o Treme-Treme o cuidado de os avisar individualmente de que não estaria presente no começo das hostilidades, para que o adversário fosse depois apanhado de surpresa e mais depressa vencido.
À hora certa, desencadeou-se um combate de todos contra todos, que resultou na morte dos dez chefes.

Ainda dois dos chefes se encontravam moribundos, quando o Treme-Treme fez a sua aparição.

Logo ali devorou dois cordeiros, tendo os dez familiares que o acompanhavam comido um cada um. Seguiu-se de imediato a distribuição das terras e do rebanho pelos membros da alcateia. O Treme-Treme enunciou as novas regras para o seu grupo, tendo o cuidado de os avisar de que não deveriam comer as reprodutoras nem todas as crias de cada ninhada, sob pena de matarem a sua fonte de alimentos.

O Treme-Treme deixou de se chamar assim porque daí em diante nunca mais passou fome.
Nem ele nem o resto da alcateia.


Jorge C. Chora

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