terça-feira, 5 de novembro de 2019

A CAIXA DE PARAFUSOS




Sentava-se todos os dias, à esquina do jardim, num banco de ferro forjado que ali existia. Ninguém sabia ao certo desde quando ele para ali fora. As pessoas tinham a sensação de o terem sempre visto naquele local.
Chegava por volta das oito da manhã e trazia uma caixa de madeira que depositava no chão, à sua frente.
Raro era o transeunte que não conhecesse. Sabia-lhes os nomes, as profissões, a morada e os hábitos.
Após breves diálogos, mantidos com quem passava, abria por vezes a caixa, retirava um parafuso e oferecia-o ao seu interlocutor, utilizando sempre a mesma expressão:
- Desejo-lhe as melhoras…
Neste momento ofertava a prenda ao dono de um café, que se habituara a dar a mesma resposta a quem lhe perguntava se os bolos eram frescos: estão frescos, estão no frigorífico -e impingia-os já com dois e três dias de existência.
Logo a seguir, a um senhor que falava de assuntos que lhe eram desconhecidos, criticando-os como se fosse um entendido, deu-lhe dois parafusos, acrescentando um desejo:
-As duplas melhoras…
Tantas ofertas fez que um dia, alguém que tinha acabado de receber a prenda do costume, se enxofrou:
-E não se oferece a si próprio um parafuso que lhe falta?
-Claro que sim! Para onde julga que vão os parafusos que sobram ao fim do dia?

Jorge C. Chora
5/11/19

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