De boina e bengala, Salvador Ferreira, vai debitando
histórias e quadras políticas d’outrora, encostado ao balcão do café de Artur
Vaz, na Amadora.
Nasceu numa aldeia, gosta e anseia há muito tornar a viver
numa. Recorda figuras de antanho, quando ainda era menino e veio-lhe à memória
a veneranda figura de D. Preciosa. Sempre de preto vestida, embrulhada em
lenços e xailes, tinha a particularidade de segurar, em permanência, uma ponta
do mesmo em frente à boca.
Condoía-se o jovem Salvador, da alegada e eterna dor de
dentes apregoada por D. Preciosa.
Cresceu e um dia, seu pai, desvendou o verdadeiro segredo da
ponta do xaile:
-Qual dor de dentes! Ela é devota do tinto! Aquilo é para não
tresandar a vinho, para ocultar o bafo…
E a desculpa piedosa e conveniente da dor de dentes
esfumou-se, não tendo Salvador notícia sobre a estratégias adoptadas pela fã do
pipo, para continuar a usufruir do néctar sem alegar a sua eterna dor…
Coisas de terras pequenas…tudo se sabe, mesmo aquilo que não
se quer que se saiba! Nem uma dor de dentes se podia alegar em paz e sossego!
Jorge C. Chora
19/11/19
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