quarta-feira, 14 de julho de 2021

A CADEIRA


Herdei-a, já cambada do muito uso. Era de balanço, em cerejeira, com a palhinha esgaçada e já não suportava o peso de ninguém.

Passei por uma pequena oficina, de aspeto duvidoso, habitada por um artesão de nariz da cor de tomate, denotando ser amante de vinho carrascão.

Prontificou-se a ir a minha casa e apareceu em tempo recorde. Mirou de modo rápido a habitação, agarrou na cadeira, examinou-a e disse de sua justiça:

- Vale a pena arranjá-la. Dê-me já um sinal…

Desagradou-me a proposta, a rapidez com que foi feita, a ligeireza em pedir adiantada a quantia, na altura bem avultada, pois isto passou-se há cerca de 25 anos.

O não, da minha parte, era certo, mas a paixão pela cadeira e a intervenção da minha mulher, acabou por vencer e tornar o não em sim.

No prazo acordado, passámos pela oficina, que não era muito distante da minha habitação.

Desculpou-se com a falta de material para executar o trabalho, pois ainda não tivera tempo para o comprar.

Como a oficina ficava a caminho da localidade onde íamos todos os dias tomar café, parávamos amiúde, e ouvíamos as mais diversas justificações para a obra não ter sido terminada. Um belo dia, fui recebido com um sorriso e a informação de que já tinha terminado o trabalho. Respirei fundo e entrei para ver a peça. Não estava lá e a argumentação do aldrabão, essa sim, foi uma obra-prima:

- Eu acabei-a mas os gatos rasgaram a palhinha toda! Foi de novo para arranjar…

Olhei-o com a descrença estampada no meu rosto:

-Amanhã quero que me devolva a cadeira e o dinheiro que lhe dei! Já não me interessa o arranjo.

-Só para a semana é que cá estou!

Até hoje. Fechou a oficina e fiquei sem o dinheiro, sem a cadeira e sem as invenções mirabolantes do artesão.

Quando lhe surgirem propostas de reparações semelhantes a esta, fique de pé atrás e aprenda o que lhe pode suceder. Quanto a mim, posso dizer-lhes, caros leitores, que não aprendi porque ainda bem há pouco tempo caí noutra, tendo ficado sem o dinheiro e sem a obra feita e desta vez, por parte de alguém cuja reputação de aldrabão era de todos conhecida e a quem decidira dar uma oportunidade.

Burro velho não aprende línguas.


Jorge C. Chora

14/07/2021








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