Herdei-a, já cambada do muito uso. Era de balanço, em cerejeira, com a palhinha esgaçada e já não suportava o peso de ninguém.
Passei por uma pequena oficina, de aspeto duvidoso, habitada por um artesão de nariz da cor de tomate, denotando ser amante de vinho carrascão.
Prontificou-se a ir a minha casa e apareceu em tempo recorde. Mirou de modo rápido a habitação, agarrou na cadeira, examinou-a e disse de sua justiça:
- Vale a pena arranjá-la. Dê-me já um sinal…
Desagradou-me a proposta, a rapidez com que foi feita, a ligeireza em pedir adiantada a quantia, na altura bem avultada, pois isto passou-se há cerca de 25 anos.
O não, da minha parte, era certo, mas a paixão pela cadeira e a intervenção da minha mulher, acabou por vencer e tornar o não em sim.
No prazo acordado, passámos pela oficina, que não era muito distante da minha habitação.
Desculpou-se com a falta de material para executar o trabalho, pois ainda não tivera tempo para o comprar.
Como a oficina ficava a caminho da localidade onde íamos todos os dias tomar café, parávamos amiúde, e ouvíamos as mais diversas justificações para a obra não ter sido terminada. Um belo dia, fui recebido com um sorriso e a informação de que já tinha terminado o trabalho. Respirei fundo e entrei para ver a peça. Não estava lá e a argumentação do aldrabão, essa sim, foi uma obra-prima:
- Eu acabei-a mas os gatos rasgaram a palhinha toda! Foi de novo para arranjar…
Olhei-o com a descrença estampada no meu rosto:
-Amanhã quero que me devolva a cadeira e o dinheiro que lhe dei! Já não me interessa o arranjo.
-Só para a semana é que cá estou!
Até hoje. Fechou a oficina e fiquei sem o dinheiro, sem a cadeira e sem as invenções mirabolantes do artesão.
Quando lhe surgirem propostas de reparações semelhantes a esta, fique de pé atrás e aprenda o que lhe pode suceder. Quanto a mim, posso dizer-lhes, caros leitores, que não aprendi porque ainda bem há pouco tempo caí noutra, tendo ficado sem o dinheiro e sem a obra feita e desta vez, por parte de alguém cuja reputação de aldrabão era de todos conhecida e a quem decidira dar uma oportunidade.
Burro velho não aprende línguas.
Jorge C. Chora
14/07/2021
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