segunda-feira, 26 de julho de 2021

A TRISTE SORTE DE JOÃO PINGUIM

João Pinguim não era flor que se cheirasse, e provou-o, mesmo no dia da sua morte. Não deixou os seus créditos por mãos alheias: morreu com a mão direita fechada e com o dedo malcriado espetado. Despediu-se assim do mundo e dos que o rodeavam. Mandou todos bugiar ou melhor dizendo, mandou-os àquela parte ou pior. O gesto é e foi tudo.

Bem, começámos pela sua morte e uma história é como uma viagem, tem princípio meio e fim. Um carro aos solavancos, recuando do fim para o princípio e por vezes voltando ao meio, enjoa os passageiros e muitos desistem da viagem.

Nasceu a berrar e feio como o diabo. A mãe morreu a dar à luz e assim perdeu a única pessoa que o poderia achar bonito.

Foi criado pelo pai, que lhe foi dando o que podia, embora não fosse quase nada, pois pouco tinha. Era adepto da pinga mas curiosamente gostava do João Pinguim porque não só era seu filho, mas também da única mulher que amara. Nunca o maltratou. Com a sua falta de jeito, acariciava-o como sabia, dando-lhe pequenas palmadas.

João viu o seu pai morrer, às mãos de um homem com quem o seu pai convivia e bebia. Seguiu-o durante dois dias e quando ele caiu embriagado, foi ao supermercado, roubou uma embalagem inteira de garrafas de álcool que acabara de ser descarregada e ainda não estava arrumada. Voltou ao local onde ele continuava anestesiado, a dormir, regou-o bem regado e lançou-lhe o fogo.

Quando o bêbado deu pelo que lhe estava a acontecer, gritou por socorro, mas era demasiado tarde: estava tão assado que morreu pouco depois.

João voltou para casa ainda a tempo de ver três homens a roubarem-lhe o único sofá que tinha. Interpelou-os:

- O que estão a fazer com o meu sofá?

- Teu? O dono vendeu-nos ainda há pouco…põe -te andar ó fedelho…

E João viu desaparecer, a única peça de jeito de sua casa, sem nada poder fazer, exceto, segui-los e localizar o sítio para onde o levaram.

Três dias depois, partiu um vidro da referida habitação e lançou um jornal velho a arder para cima do sofá. Quando os bombeiros chegaram, já tudo tinha ardido.

Na taberna em que o pai tinha o hábito de frequentar, soube que tinham sido dois homens que tinham incentivado o assassinato do pai, porque ele não conseguira pagar uma pequena dívida.

Conseguiu, à socapa, apossar-se da pistola de um, quando ele cambaleava à saída e se debruçava para conseguir abrir a porta do carro. Quando o companheiro assomou à porta, deu-lhe um tiro na testa, à queima roupa, e escapuliu.

Dois dias depois,foi a casa do dono da arma, entrou pelas traseiras, mandou-o abrir a boca e espalhou-lhe os miolos na parede. Deixou-lhe a pistola na cama.

Na vida fez de tudo e nunca deixou uma conta por saldar. A única ajuda que teve, foi a de uma senhora bem mais velha , ainda mais feia do que ele e que teve de satisfazer às horas a que lhe apetecia. Nunca admitiu que alguém dissesse mal da sua companheira.

Herdou-lhe o negócio aos dezoito anos, pois ela fez dele o seu herdeiro. Trabalhou noite e dia, enriqueceu, casou quatro vezes e quatro vezes foi enganado. Não deu cabo de nenhuma, desejou-lhes boa sorte e mandou-as viver à conta dos namorados.

No dia em que morreu, fechou o punho e estendeu o dedo malcriado, não sem que antes tivesse legado a fortuna que tinha, a uma jovem internada, viúva e com um filho pequeno.

E morreu com dedo médio esticado, punho fechado, sem dever nada a ninguém.


Jorge C. Chora

26/07/2021





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