A minha tia-avó
Ivana, há muito falecida, era pequena e leve como uma pena. O vento só não a
levava porque ela não gostava de voar e tinha decidido ficar em terra, custasse
o que custasse.
Para além da
sua estatura, tinha um sinal no nariz, que lhe dava um ar travesso, talvez,
como direi, um aspeto de pequena bruxa boa. Era dotada de um feitio especial e
nunca se irritava: resolvia tudo a bem e o que não tinha remédio, remediado
estava.
Adorava a
criançada e nunca ralhava, aliás, como já disse, mas reforçar este aspeto, no
caso dela, não é demais, como fica comprovado no episódio que vou contar e que
me contou o meu pai, também há muito falecido.
Um dia a
minha tia Ivana, não sei por que razão, teve de dar almoço a uma caterva de
netos, sobrinhos e alguns dos seus amigos.
Sabia por
experiência própria que a gaiatada adorava bifes, com batatas fritas e ovos
estrelados.
À medida que
fritava as batatas e as ia colocando numa enorme travessa, os miúdos entravam à
vez na cozinha, iam comendo e saindo à socapa ou pelos assim achavam eles.
À hora da
refeição, vieram os bifes, os ovos estrelados e a grande travessa de batatas
fritas. Ficaram todos a olhar para a travessa: ela só tinha meia dúzia de
batatas.
-Só isso? Tão
poucas para tantos?
Impávida, a
tia Ivana, contrapôs:
-Fritei
tantas batatas quantas cabiam na travessa! Os meninos já as comeram na cozinha!
E a miudagem
desencadeou um rol de críticas e acusações mútuas:
-Tu é que
comeste mais…
-Eu? Só fui
três vezes à cozinha…
-O que
interessa não são as vezes que foste, mas a quantidade que comeste…
E a
discussão ia já longa, quando a tia resolveu intervir:
-O que não
tem solução solucionado…
-Solucionado
está! - completaram em uníssono os comilões.
Então, para
o futuro, para que o problema não se repita, o que é preciso fazer?
-Ninguém
entra na cozinha para comer o almoço, antes deste ir para a mesa.
E nunca mais
faltaram batatas fritas, nos dias dos bifes, batatas fritas e ovos estrelados.
A sapiência
dos antigos era assim.
Jorge C.
Chora
8/12/2021
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