segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Barbuda

Sentadas no banco do jardim, duas senhoras de meia idade, tricotavam. Acompanhadas pelos maridos e por um casal amigo, aproveitavam para se aquecerem ao sol. A conversa versava as frivolidades costumeiras que ajudam a passar o tempo e a matar o silêncio:

- O tempo está mesmo incerto…a humidade é terrível….

-Os meus ossos que o digam…

-Não há meio desta constipação me largar…

Um vozeirão ao lado, oriundo da esquina oculta do prédio, antes de se entrar no jardim, interrompeu-lhes a conversa:

-Minha barbuda…. … essa barba mata-me….tanto pêlo confunde-me…

Entreolharam-se os que apanhavam sol. Inclinaram as cabeças para não perderem pitada da conversa.

-Uma barba tão farta… ó meu amor, pode ser motivo de admiração para quem goste… ainda não decidi se ela te fica mesmo bem… - e o vozeirão desmanchava-se num riso portentoso, daqueles que atroam os ares e rivalizam com o trovão.
E o homem insistia:

-Minha barbuda… é uma barba indecente, de provocar inveja a um marinheiro regressado da campanha do bacalhau…

Colocando-se na pele da senhora que estava a ser alvo de tamanha grosseria, os senhores mexiam-se, incomodados, pedindo um castigo merecido para semelhante energúmeno:

-Não há direito de tratar ninguém deste modo…

-Nunca, mas mesmo nunca, tinha ouvido um tratamento tão repulsivo…

-Nos tempos que correm é possível acontecer tudo, mas mesmo tudo…

-O que uma mulher atura…meu Deus - queixaram-se revoltadas as senhoras que tinham parado de tricotar.

-Parece impossível… - concordaram os senhores.

E do lado oculto da esquina os mimos continuavam:

-Aí barbuda… o que vão dizer quando te virem… escondem-se … é o mais certo - e os ares vibravam com as estrondosas gargalhadas.

A situação tornava-se, a cada minuto que passava, mais penosa e inaceitável.
O vozeirão foi-se tornando cada vez mais audível e surgiu na esquina da casa um homenzarrão, de barba e cabelo hirsutos, com quase dois metros de altura que dizia:

-Anda barbudinha … estamos atrasados… eu não te vou levar ao colo - …- e trazia à trela uma cadelinha com uma barbaça que alto lá com ela.


Jorge C. Chora

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