domingo, 6 de novembro de 2016

O INESQUECÍVEL MISTER GEORGE/BEIRA,ANOS 50 E 60

                                             
Os empregados mais novos, assim como os jovens que o visitavam, tratavam-no com respeito, envolvendo-o na designação afectuosa de mister George.

Mister George não era treinador de futebol de equipas adolescentes e, muito menos das seniores: era um velho cozinheiro. Os seus cabelos brancos e os movimentos lentos, assim como a fala pausada e um tanto ou quanto entaramelada, salpicada por um copito agora e outro depois, enquanto confeccionava os seus lauto e requintados repastos, compõem um retrato à la minuta de alguém que, lá em casa, era considerado um “Grand Chef avant garde”.

Mister George, como artista que era, tinha algumas grandes “pancas”. Quando os meus pais chegavam a casa e lhe perguntavam o que havia para jantar, nem sequer se dignava responder-lhes:

-Ele já está feito…é surpresa…depois levo….- E dali não arredava pé.

E de facto, uma banal refeição era metamorfoseada num ágape, com entradas, apresentação e sabores que ainda consigo recordar, passados 50 anos!

Nem tudo eram rosas. Não eram raros os dias em que ao chegarmos para jantarmos, nos apercebíamos de algo estranho, pois só havia bifes e batatas fritas e o cozinheiro tinha-se evaporado. O que acontecera? Mister George tinha, como habitualmente, feito a refeição, mas abrira uma ou mais garrafas de espumante, previamente refrigeradas, e comera repimpadamente a sua obra-prima.

Talvez por estas e por outras é que mister George, cobiçado nas redondezas, fazia orelhas moucas aos convites que recebia. Lá em casa era um artista e nas outras, quiçá, ao fazer algumas das suas, um cozinheiro insubordinado.

Nos dias que se seguiam às libações báquicas, mister George penitenciava-se e até se permitia, de modo magnânimo, levantar o véu sobre o que iria ser servido:

-Hoje é uma entrada de marisco…

-E…

A concessão estava feita. Mister George nada mais diria.

-Está quase a sair…

E foi assim que tivemos um fabuloso cozinheiro, que se fartara de andar pela ”estranja”, trabalhara em hotéis e resolvera pousar  lá por casa.

Ainda hoje sonho com o euromilhões, não para comprar um palácio, um maserati ou um rolls (um bentleyzinho talvez…) mas para ter a possibilidade de contratar um mister George ou alguém que a ele se assemelhasse, nem que fosse uma bigoduda com metade dos seus dotes e com o dobro das suas manias!

Hellas! Sonhos de pobre são o diabo!


Jorge C. Chora

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