Os empregados mais novos, assim como os jovens que o
visitavam, tratavam-no com respeito, envolvendo-o na designação afectuosa de
mister George.
Mister George não era treinador de futebol de equipas
adolescentes e, muito menos das seniores: era um velho cozinheiro. Os seus
cabelos brancos e os movimentos lentos, assim como a fala pausada e um tanto ou
quanto entaramelada, salpicada por um copito agora e outro depois, enquanto
confeccionava os seus lauto e requintados repastos, compõem um retrato à la
minuta de alguém que, lá em casa, era considerado um “Grand Chef avant garde”.
Mister George, como artista que era, tinha algumas grandes
“pancas”. Quando os meus pais chegavam a casa e lhe perguntavam o que havia
para jantar, nem sequer se dignava responder-lhes:
-Ele já está feito…é surpresa…depois levo….- E dali não
arredava pé.
E de facto, uma banal refeição era metamorfoseada num ágape,
com entradas, apresentação e sabores que ainda consigo recordar, passados 50
anos!
Nem tudo eram rosas. Não eram raros os dias em que ao
chegarmos para jantarmos, nos apercebíamos de algo estranho, pois só havia
bifes e batatas fritas e o cozinheiro tinha-se evaporado. O que acontecera?
Mister George tinha, como habitualmente, feito a refeição, mas abrira uma ou
mais garrafas de espumante, previamente refrigeradas, e comera repimpadamente a
sua obra-prima.
Talvez por estas e por outras é que mister George, cobiçado
nas redondezas, fazia orelhas moucas aos convites que recebia. Lá em casa era
um artista e nas outras, quiçá, ao fazer algumas das suas, um cozinheiro
insubordinado.
Nos dias que se seguiam às libações báquicas, mister George
penitenciava-se e até se permitia, de modo magnânimo, levantar o véu sobre o
que iria ser servido:
-Hoje é uma entrada de marisco…
-E…
A concessão estava feita. Mister George nada mais diria.
-Está quase a sair…
E foi assim que tivemos um fabuloso cozinheiro, que se
fartara de andar pela ”estranja”, trabalhara em hotéis e resolvera pousar lá por casa.
Ainda hoje sonho com o euromilhões, não para comprar um
palácio, um maserati ou um rolls (um bentleyzinho talvez…) mas para ter a
possibilidade de contratar um mister George ou alguém que a ele se assemelhasse,
nem que fosse uma bigoduda com metade dos seus dotes e com o dobro das suas
manias!
Hellas! Sonhos de pobre são o diabo!
Jorge C. Chora
Sem comentários:
Enviar um comentário