domingo, 13 de novembro de 2016

A ILHA PARAÍSO OU O REMÉDIO SANTO

                                                  

Um navio negreiro afundou-se perto de uma ilha. Salvaram-se, a muito custo, três homens, que chegaram exaustos à praia. Dois desses náufragos, eram negros que, tinham sido capturados na costa africana. O terceiro era o dono do negócio que tinha embarcado no navio, comandado por um capitão seu amigo, e assim mataria dois coelhos de uma vez:
Primeiro faria a viagem para o Brasil para vender pessoalmente os escravos e, em segundo, escolheria pessoalmente a ”mercadoria”.

O negreiro foi o último a chegar à praia. Estafado pôs-se a gritar por ajuda. Os dois homens que lá estavam puxaram-no para terra e de imediato, colocaram-lhe em torno do pescoço uma liana e prenderam-lhe os pulsos com outra. Um pouco mais tarde, quase a morrer, surgiu outro naufrago, que era o contramestre da embarcação. Embora estivesse quase moribundo, prenderam-no, tal qual como tinham feito ao negociante negreiro.

No dia seguinte, os antigos cativos, ambos guerreiros capturados por um inimigo que os vendera aos negreiros, ordenaram aos seus novos escravos, por sinais, que se levantassem.

O contramestre e o negreiro não perceberam os que eles queriam. Os guerreiros arquearam o sobreolho e comentaram entre si:

-Estas bestas não percebem o que se lhes ordena! -E acto contínuo, bateram-lhes com uma liana que tinham entrelaçado, até eles se colocarem de pé.

Arrastaram-nos até umas árvores e entregaram-lhes uns machados toscos que tinham fabricado com umas pedras afiadas, atadas por lianas a uns paus. Ensinaram-lhes a cortar, empilhar e aparelhar a madeira. Descobriram que os escravos brancos nada sabiam sobre construção de casas, caça, pesca, cozinha e nada de nada. À custa de bofetões e chibatadas foram aprendendo a realizar as tarefas básicas que os seus amos guerreiros necessitavam.

O pior estava para vir. Na ilha não havia mulheres e os guerreiros fizeram deles as suas “parceiras”.
O negreiro e o contramestre tentaram a fuga por diversas vezes, mas logo eram apanhados e agredidos durante vários dias.

Depressa aprenderam a colocarem-se à disposição dos seus amos e a utilizarem um óleo de peixe que aplicavam nos sítios corporais mais adequados, de modo a suportarem a concupiscência dos guerreiros.

Um dia, aproximou-se da ilha uma embarcação e os dois escravos conseguiram chamar-lhes a atenção, nadar até ela e serem recolhidos. Estavam tão queimados do sol que a tripulação quis acorrentá-los junto aos cativos negros e só desistiram de o fazer porque eles falavam o português do reino e acabaram por ser identificados como reinóis.

-Desculpem lá, iam ficar perto desses brutos…são uns animais de carga que nada sabem fazer…

-Pois…pois… - engasgaram-se os ex-escravos reinóis, murmurando para si próprios  - “mal sabem vocês o quão brutos eles são e o que têm para vos ensinar…”

Já no reino nunca mais ninguém os ouviu depreciar os negros e os escravos. Por vezes estranhavam os seus amigos, o facto de prepararem um certo óleo de peixe e frequentarem as imediações da igreja de S. Domingos, sede do culto de Nª Srª do Rosário, frequentado por uma confraria de homens negros…

Quando ouviam e viam alguém a maltratar escravos, só lhe diziam: pode ser que algum dia naufragues numa certa ilha…


Jorge C. Chora

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