Um navio negreiro afundou-se perto de uma ilha. Salvaram-se,
a muito custo, três homens, que chegaram exaustos à praia. Dois desses
náufragos, eram negros que, tinham sido capturados na costa africana. O
terceiro era o dono do negócio que tinha embarcado no navio, comandado por um
capitão seu amigo, e assim mataria dois coelhos de uma vez:
Primeiro faria a viagem para o Brasil para vender
pessoalmente os escravos e, em segundo, escolheria pessoalmente a ”mercadoria”.
O negreiro foi o último a chegar à praia. Estafado pôs-se a
gritar por ajuda. Os dois homens que lá estavam puxaram-no para terra e de
imediato, colocaram-lhe em torno do pescoço uma liana e prenderam-lhe os pulsos
com outra. Um pouco mais tarde, quase a morrer, surgiu outro naufrago, que era
o contramestre da embarcação. Embora estivesse quase moribundo, prenderam-no,
tal qual como tinham feito ao negociante negreiro.
No dia seguinte, os antigos cativos, ambos guerreiros capturados
por um inimigo que os vendera aos negreiros, ordenaram aos seus novos escravos,
por sinais, que se levantassem.
O contramestre e o negreiro não perceberam os que eles
queriam. Os guerreiros arquearam o sobreolho e comentaram entre si:
-Estas bestas não percebem o que se lhes ordena! -E acto
contínuo, bateram-lhes com uma liana que tinham entrelaçado, até eles se
colocarem de pé.
Arrastaram-nos até umas árvores e entregaram-lhes uns
machados toscos que tinham fabricado com umas pedras afiadas, atadas por lianas
a uns paus. Ensinaram-lhes a cortar, empilhar e aparelhar a madeira.
Descobriram que os escravos brancos nada sabiam sobre construção de casas,
caça, pesca, cozinha e nada de nada. À custa de bofetões e chibatadas foram
aprendendo a realizar as tarefas básicas que os seus amos guerreiros
necessitavam.
O pior estava para vir. Na ilha não havia mulheres e os
guerreiros fizeram deles as suas “parceiras”.
O negreiro e o contramestre tentaram a fuga por diversas
vezes, mas logo eram apanhados e agredidos durante vários dias.
Depressa aprenderam a colocarem-se à disposição dos seus
amos e a utilizarem um óleo de peixe que aplicavam nos sítios corporais mais
adequados, de modo a suportarem a concupiscência dos guerreiros.
Um dia, aproximou-se da ilha uma embarcação e os dois
escravos conseguiram chamar-lhes a atenção, nadar até ela e serem recolhidos.
Estavam tão queimados do sol que a tripulação quis acorrentá-los junto aos
cativos negros e só desistiram de o fazer porque eles falavam o português do
reino e acabaram por ser identificados como reinóis.
-Desculpem lá, iam ficar perto desses brutos…são uns animais
de carga que nada sabem fazer…
-Pois…pois… - engasgaram-se os ex-escravos reinóis,
murmurando para si próprios - “mal sabem
vocês o quão brutos eles são e o que têm para vos ensinar…”
Já no reino nunca mais ninguém os ouviu depreciar os negros
e os escravos. Por vezes estranhavam os seus amigos, o facto de prepararem um
certo óleo de peixe e frequentarem as imediações da igreja de S. Domingos, sede
do culto de Nª Srª do Rosário, frequentado por uma confraria de homens negros…
Quando ouviam e viam alguém a maltratar escravos, só lhe
diziam: pode ser que algum dia naufragues numa certa ilha…
Jorge C. Chora
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