sexta-feira, 4 de novembro de 2016

BEIRA NOS ANOS 6O/LADY,A CADELA SALVA-VIDAS E A CARRIÇA VAI-COM-TODOS

            
Tivemos na Beira, eu e o meu irmão, duas cadelas, uma chamada Carriça e a outra Lady. A primeira, foi um primo nosso, o Viriato, que a trouxe. Viu-a no mato e apaixonou-se por ela. O focinho preto denunciava uma boxer, jurava ele a pés juntos, assumindo o estatuto indiscutível de “grand connaisseur”. Comprou-a por 15 escudos, o que na época, convenhamos, não era nenhuma pechincha, tratando-se de um miúdo. O dono também lhe poderia, eventualmente, ter assegurado que a Carriça, assim se viria a chamar a cadela, era uma boxer puro sangue, prontificando-se a atestar a sua linhagem, por escrito, caso soubesse escrever, ou por impressão digital no notário, se preciso fosse e para tal tivesse dinheiro.

A Carriça era, afinal, uma rafeira de perna e pêlo curto, uma meia-leca desavergonhada, sempre grávida e que paria filhos lindos, às dúzias. Embora vadia, era uma mãe extremosa e educadora ríspida, sempre pronta a arreganhar o dente quando não era obedecida e os cachorros se afastavam.
A Lady, essa foi-nos oferecida no Garuso, uma localidade próxima da fronteira da Rodésia, pelo dono de uma “farm” que criava cães. A bicha era produto de um devaneio de uma perdigueira que acasalara com um leão da rodésia. Era loura a bichana, com um porte de princesa e uma meiguice digna de nota. Trouxemo-la para nossa casa no Macúti/Beira, perto da praia.

A Lady, ao contrário da Carriça, era enorme e a sua ternura era directamente proporcional ao seu tamanho. Passava a maior parte do tempo connosco na praia. Se ocasionalmente não nos tivesse acompanhado, logo que desse pela nossa falta, ia lá ter.

Na praia, os seus instintos protectores encontravam-se em estado de alerta. Os seus olhos seguiam-nos quando jogávamos futebol, vólei ou outra coisa qualquer. Mal entrávamos na água, levantava-se e ia para a beira mar mantendo-se sempre de pé a observar-nos. À medida que nos afastávamos, ela entrava na água e ia ter connosco. Nadava à nossa volta e só sossegava quando lhe agarrávamos a cauda e ela nos trazia para a praia, ora agora um, e logo de seguida o outro, caso lá se deixasse estar.
Os seus serviços não se esgotavam com o transporte efectuado. No areal deitava-se de lado e ajeitava-se, de modo a oferecer-nos a barriga como almofada.

Já em casa agradecia-nos o banho de mangueira que lhe dávamos, lambendo-nos as mãos e não se sacudia de imediato, evitando salpicar-nos.

Enquanto vivemos na Beira, nunca conseguiu ter filhos vivos, mas cuidava dos da Carriça, quando ela não estava, e deixava-se morder, sem se defender, quando ela regressava.

Só conseguiu ter filhos, só um ou dois de cada ninhada, quando nos mudámos para LM e arranjou um pai, quase tão grande como um pónei e mais feio que o demo.

A Carriça não nos acompanhou na deslocação, pois, os rodesianos com que ela engraçava, a levaram para o seu país, de acordo com quem a viu ser “transportada” e porque deixou que a levassem já que, não tenho qualquer dúvida, ronhosa como era, ninguém a levaria contra a sua vontade.


Jorge C. Chora

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