quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

CARLOS E IVONE OU UM AMOR INTERESSEIRO

Ivone olhou com tristeza para a pastelaria que herdara do seu avô. Com um ar desolado, lembrou-se daquele espaço nos tempos áureos.

Era um lugar quase de frequência obrigatória para as pessoas de bom gosto e para uma certa elite da cidade. Agora era uma sombra do que fora.

Ainda a conservava aberta, mas mais tarde ou mais cedo teria de a fechar.

Estava nestes pensamentos quando entrou um homem que teria aproximadamente a sua idade. Tinha cerca de quarenta anos, cabelo comprido e um rabo-de-cavalo, mas com aspeto limpo e aparentando uma certa distinção. Aproximou-se do balcão e pediu-lhe, em português, com uma pronúncia marcadamente francesa, um café e um bolo.

Ivone simpatizou com o cliente e palavra puxa palavra, ficou a saber que ele se chamava Carlos, tendo-se também ela declinado o seu nome. Carlos era pasteleiro, estava farto de viver em Paris e queria conhecer a terra dos seus pais que eram portugueses. Ivone, no decurso da conversa, queixou-se da situação da pastelaria e estrategicamente, foi colocando a mão de Carlos na sua. Carlos não a retirou e colocou a sua outra mão por cima da dela.

Nos dois dias seguintes Carlos visitou o café e Ivone recebeu-o com agrado visível. Ao terceiro dia, Ivone convidou-o para trabalhar na secção de pastelaria a confecionar os bolos do estabelecimento.

Carlos olhou-a e muito sério disse-lhe:

- Só aceito com certas condições…

-Claro que sim… se me disseres…- nesta altura já se tratavam por tu

 -Quero que trabalhes comigo… não há problema nenhum… -assentiu Ivone

-Não é só isso! Eu sou muito encalorado e como sabes, o calor é infernal na fábrica e por isso só trabalho despido…

Ivone olhou-o com atenção, antes de lhe dar qualquer resposta. Pouco depois, com um à-vontade inesperado respondeu-lhe:

- Não há problema nenhum, desde que eu também trabalhe despida, pois também sofro com o calor.

E naquela pastelaria surgiram novidades que tornaram a cativar os clientes e a fazê-la retornar aos tempos áureos. Para além dos bolos clássicos, ambos criaram uma nova linha: ela criou os arrebitados e os cabeçudos e ele as meias-luas, os peitos celestiais e as rachadinhas que se tornaram os bolos mais apreciados e vendidos.

Acabadas as fornadas, enfarinhavam-se ambos, rebolando-se nas bancadas, saciando a fome que ambos sentiam um do outro, e iam gritando:

- Vivam os negócios e o amor!

 

Jorge C. Chora

10/02/2022

Sem comentários:

Enviar um comentário