Ivone olhou com tristeza para a pastelaria que herdara do seu avô. Com um ar desolado, lembrou-se daquele espaço nos tempos áureos.
Era um lugar
quase de frequência obrigatória para as pessoas de bom gosto e para uma certa
elite da cidade. Agora era uma sombra do que fora.
Ainda a
conservava aberta, mas mais tarde ou mais cedo teria de a fechar.
Estava
nestes pensamentos quando entrou um homem que teria aproximadamente a sua
idade. Tinha cerca de quarenta anos, cabelo comprido e um rabo-de-cavalo, mas
com aspeto limpo e aparentando uma certa distinção. Aproximou-se do balcão e
pediu-lhe, em português, com uma pronúncia marcadamente francesa, um café e um
bolo.
Ivone
simpatizou com o cliente e palavra puxa palavra, ficou a saber que ele se
chamava Carlos, tendo-se também ela declinado o seu nome. Carlos era
pasteleiro, estava farto de viver em Paris e queria conhecer a terra dos seus
pais que eram portugueses. Ivone, no decurso da conversa, queixou-se da
situação da pastelaria e estrategicamente, foi colocando a mão de Carlos na
sua. Carlos não a retirou e colocou a sua outra mão por cima da dela.
Nos dois
dias seguintes Carlos visitou o café e Ivone recebeu-o com agrado visível. Ao
terceiro dia, Ivone convidou-o para trabalhar na secção de pastelaria a
confecionar os bolos do estabelecimento.
Carlos
olhou-a e muito sério disse-lhe:
- Só aceito
com certas condições…
-Claro que
sim… se me disseres…- nesta altura já se tratavam por tu
-Quero que trabalhes comigo… não há problema
nenhum… -assentiu Ivone
-Não é só
isso! Eu sou muito encalorado e como sabes, o calor é infernal na fábrica e por
isso só trabalho despido…
Ivone
olhou-o com atenção, antes de lhe dar qualquer resposta. Pouco depois, com um à-vontade
inesperado respondeu-lhe:
- Não há
problema nenhum, desde que eu também trabalhe despida, pois também sofro com o
calor.
E naquela
pastelaria surgiram novidades que tornaram a cativar os clientes e a fazê-la
retornar aos tempos áureos. Para além dos bolos clássicos, ambos criaram uma
nova linha: ela criou os arrebitados e os cabeçudos e ele as meias-luas, os
peitos celestiais e as rachadinhas que se tornaram os bolos mais apreciados e
vendidos.
Acabadas as
fornadas, enfarinhavam-se ambos, rebolando-se nas bancadas, saciando a fome que
ambos sentiam um do outro, e iam gritando:
- Vivam os
negócios e o amor!
Jorge C.
Chora
10/02/2022
Sem comentários:
Enviar um comentário