domingo, 6 de fevereiro de 2022

PESCAR SEM ANZOL


Madalena gostava de Rodrigo. Ambos eram viúvos e em comum tinham o facto de terem gostado imenso dos respetivos falecidos.

Rodrigo, em linguagem comum, era um atado. Coibia-se de dar opiniões porque podiam ofender alguém. Era delicado por natureza, tudo estava bem para ele e admitia até as faltas de respeito, não por cobardia, mas porque achava que era impor-se aos que não tinham tido a oportunidade de aprender e assimilar as regras básicas. Em suma, Rodrigo era tido como um banana, por todos os abusadores.

Madalena ia aos arames ao presenciar a forma como tratavam o seu amor escondido. A aproximação ao Rodrigo era difícil, pois não sabia, como fora das horas de serviço era possível estar com ele, vir a abraçá-lo, dar-lhe apoio, apertá-lo, beijá-lo, fazê-lo sentir o amor que lhe tinha.

Um dia acabou por descobrir que aos fins de semana, Rodrigo ia à pesca.

Aproximou-se e disse-lhe:

-Ó Rodrigo eu passo uns fins de semana péssimos. Gosto de pescar, mas não vou, porque não tenho companhia. Soube que pescas e a tua companhia era ideal para mim!

Sem escapatória, Rodrigo convidou-a.

Compareceu Madalena no local combinado. Trouxera uma velha cana de pesca, que era do seu falecido pai, que por sua vez a tinha herdado já do seu avô.

Ao fim de algumas horas, Rodrigo estranhou que o peixe picasse na sua linha e nem sinal de interesse manifestasse pela de Madalena.

-Minha amiga não sei o que se passa, mas o peixe não pica o seu isco!

-Madalena não se fez rogada:

-Meu querido Rodrigo. O peixe que eu ardentemente desejo, não está no mar, está aqui ao meu lado… A minha linha não tem anzol …O isco sou eu e o peixe és tu!

Rodrigo roborizou-se, engasgou-se, encheu-se de coragem e disse-lhe:

-Adorava ser o teu peixe e tu a minha sereia…

E antes que Rodrigo pudesse dizer algo mais, Madalena tomou a iniciativa: agarrou-o, beijou-o, despiu-o e possuíram-se até à exaustão.

A partir desse dia, não houve um único fim de semana que não tivesse sido dedicado à pesca. A única diferença, é que a cana de pesca do Rodrigo deixou também de ter anzol para que ele não mais tivesse qualquer distração com a observação da linha e o picar dos peixes.

E durante a semana, enquanto não se mudaram para a casa de um deles, o que mais necessidade sentia do outro, enviava-lhe uma mensagem: Apetece-me pescar. E a ti?

 

Jorge C. Chora
&/02/2022

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