segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

O EXECRÁVEL AMOROSO

Eram poucos os que não o consideravam um ser execrável. A sua forma de andar era, no mínimo, de um exibicionismo bacoco. Cada passo seu, assemelhava-se a um estranho passo de dança, a uma espécie de salto de onda mal surfada, a um espetáculo a solicitar palmas.

A sua fala arrastada, pedante e muito afetada, desagradava até às mais irritantes desocupadas da classe alta.

Um belo dia, quatro das suas fiéis inimigas, viram uma mulher, mal trajada e bastante suja, a querer beijar-lhe a mão e ele a retirá-la, de um modo delicado e afável.

O mal-estar do cavalheiro era notório.

-Olhem só o estupor… coitada da mulher… afastada como uma leprosa…- comentaram as mulheres.

Não quiseram perder a oportunidade de se aproximarem da andrajosa para colherem mais umas achas para a fogueira.

-Então a senhora foi escorraçada pelo homem? É um mal-educado…tem a mania que é mais do que os outros…

-Não digam isso minhas senhoras! A minha neta deve-lhe a vida, se ele não tivesse pagado a operação…

-Ele é um vaidoso, já viu como ele anda e fala…

-Ó minhas senhoras, eu conheço-o desde bebé… ele nasceu com uma perna mais curta e disfarça…

-E a fala… já viu…

-Por amor de Deus… em criança ele viu o pai morrer atropelado e ficou gago… é uma forma de ninguém notar… Ele só não ajuda quem precisa, se não puder… faz das tripas coração…

E as desocupadas, mal isto ouviram, gritaram, furiosas em uníssono:

- A mulher é louca! Só nos faltava agora apresentar-nos o Execrável como um ser amoroso!

Jorge C. Chora

   19/12/22

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