Os sapatos bicudos e extremamente longos, impediam a normal circulação no corredor, por quase ocuparem a totalidade do espaço. Caso alguém quisesse passar, era preciso que o homem que os calçava, encolhesse as pernas ou as descruzasse para que as pontas dos sapatos desimpedissem o caminho.
O seu
proprietário, o dos sapatos é claro, nada tinha que o distinguisse de outro
homem qualquer, exceto a sua fealdade, o calçado invulgar, ainda realçado pelo
seu trajo apertado e o nariz adunco. Apesar disso, outra marca o distinguia: a
sua vaidade.
Dizia à boca
cheia, que as amigas o achavam parecido com um conhecido artista, por sinal
muito bem-apessoado e de talento mundialmente reconhecido: um tal Tony Cútis!
Os amigos
olharam-no de soslaio, pois já tinham ouvido falar em alguém de nome
semelhante, mas franziram o nariz porque algo lhes soava um pouco a falso.
O homem dos
sapatos bicudos, acabara de criar uma personagem, e passava incólume pela
fotografia que fazia de si próprio ou melhor, que dizia que as amigas faziam de
si próprio: Ele era o Tony Cútis, talvez o irmão gémeo, não identificado, do
artista Tony Curtis.
Coisas da
vida!
Por outro
lado, o caso da cútis presta-se a outras interpretações, como a de um velho
marinheiro, de pele curtida pelo sol e linguagem vernácula, um macho sem medo
de ondas e tempestades, perante quem o Adamastor pensaria duas ou três vezes
antes de o querer assustar.
Tendo-lhe
surgido um incómodo e doloroso furúnculo numa nádega, resolveu, muito a custo
ir ao médico, ainda que tivesse sempre pensado, que” homem que é homem dispensa
idas ao doutor”.
Vestiu-se de
modo cerimonioso para a rara visita ao dito cujo. Quando o médico lhe perguntou
ao que vinha, o velho marinheiro esmerou-se: à medida que baixava as calças foi
dizendo:
- Senhor
doutor, apareceu-me isto na cútis – e foi apontando o enorme furúnculo na
nádega direita.
O Físico não
se conteve e deu uma enorme gargalhada. O velho marinheiro ainda pensou
esborrachar-lhe a tola com uma punhada quando o homem se dignou explicar-lhe:
-Ó senhor, a
cútis não é a pele do rabo, mas da cara. Melhor ainda, a pele delicada da face
de uma dama…
O bom e
honrado marinheiro ficou entupido. Ele que se esmerara para falar caro com o
doutor, afinal cometera uma bacorada das antigas e ainda era gozado…
Jorge C.
Chora
12/12/2022
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