A senhora babava desdém: à sua volta ninguém lhe merecia
consideração, ou porque não vestiam marcas de referência ou pura e simplesmente
por não comprarem na Av. da Liberdade. A sua exigência contemplava as refeições
tomadas em restaurantes de luxo e, mesmo dentro dessa categoria, poucos a
satisfaziam plenamente.
Às terças levava a sua filha mais pequena a passear. Foi
numa dessas ocasiões que se cruzou com uma conhecida que lhe louvou a filha:
-Mas que linda ela é! Uma autêntica princesa…
-Muito obrigado minha senhora…- respondeu-lhe a criança.
-E o que é que ela gostava de ser? - perguntou, dirigindo-se à mãe, enquanto
acariciava a cabeça à criança.
-“Ela” gostava de ser cabeleireira… -respondeu-lhe a miúda com
um sorriso malévolo.
-Disparate…que disparate Ermelinda! Cabeleireira!? …Esta
minha filha é uma brincalhona…
-Deixa-te de brincadeiras e diz lá que é médica o que queres
ser….
-Sim mamã, é o que tu dizes… -concedeu Ermelinda.
-E médica de quê? - inquiriu a senhora.
-Médica de linguarudas! - respondeu de rajada a gaiata.
E eis que a mãe, descalça o sapato, e dá um grito idêntico
aos que ela dava na sua juventude, no bairro onde vivia:
-Anda cá minha cabrita, que já vais ver como elas te mordem!
Jorge C. Chora
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