domingo, 30 de agosto de 2015

A SENHORA QUE BABAVA DESDÉM

                                                                                                                      

A senhora babava desdém: à sua volta ninguém lhe merecia consideração, ou porque não vestiam marcas de referência ou pura e simplesmente por não comprarem na Av. da Liberdade. A sua exigência contemplava as refeições tomadas em restaurantes de luxo e, mesmo dentro dessa categoria, poucos a satisfaziam plenamente.

Às terças levava a sua filha mais pequena a passear. Foi numa dessas ocasiões que se cruzou com uma conhecida que lhe louvou a filha:

-Mas que linda ela é! Uma autêntica princesa…

-Muito obrigado minha senhora…- respondeu-lhe a criança.

-E o que é que ela gostava de ser? -  perguntou, dirigindo-se à mãe, enquanto acariciava a cabeça à criança.

-“Ela” gostava de ser cabeleireira… -respondeu-lhe a miúda com um sorriso malévolo.

-Disparate…que disparate Ermelinda! Cabeleireira!? …Esta minha filha é uma brincalhona… 

-Deixa-te de brincadeiras e diz lá que é médica o que queres ser….

-Sim mamã, é o que tu dizes… -concedeu Ermelinda.

-E médica de quê? - inquiriu a senhora.

-Médica de linguarudas! - respondeu de rajada a gaiata.

E eis que a mãe, descalça o sapato, e dá um grito idêntico aos que ela dava na sua juventude, no bairro onde vivia:

-Anda cá minha cabrita, que já vais ver como elas te mordem!

Jorge C. Chora




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