sexta-feira, 21 de abril de 2023

A PROVA DE VIDA OU UMA CRÍTICA AO SISTEMA

 

Entrou na dependência bancária com uma dificuldade evidente: estava apoiada em duas canadianas. De provecta idade, aguardou a sua vez de ser atendida.

Não durou muito tempo a ser recebida, pese embora a casa estivesse repleta, pois teve prioridade pela sua incontestável dificuldade na locomoção, agravada pela sua corpulência.

Após se ter conseguido sentar, disse ao que vinha: fazer a prova de vida.

Apresentou o seu documento de identificação e obteve a seguinte resposta:

- Minha senhora, o documento que prova que está viva é passado pela Junta de Freguesia e depois terá de o trazer ao banco. Peço imensa desculpa.

-Mas eu estou aqui, viva, a falar consigo, com a identificação nacional a provar que eu, sou eu!

-Pois é, mas…

Nada feito. A corpulenta e idosa senhora, iniciou os seus esforços para se levantar, mas tanta força fez que deu um sonoro e fedorento flato. A multidão presente no interior da dependência, sentindo-se gaseificada, abandonou à pressa o espaço.

A velha senhora, voltando-se para o balcão, disse alto e em bom som:

- Outra prova de vida inegável!

Claro que isto do flato não se passou, mas deveria ter acontecido.  Não cabe na cabeça de um tinhoso, ter de ser só a Junta de Freguesia a passar um documento a comprovar que a senhora que está ali, presente, em carne e osso, está viva! 

 Não duvido que haja algum outro motivo para ser a Junta a atestar o facto de a pessoa estar viva, mas do que não duvido também, é de que a prova de vida podia ser aceite podendo a própria pessoa estar presente.

Com o evoluir da situação, não me surpreenderia que a pessoa tenha de ir ao médico, para de seguida, com o papel passado, ir à Junta carimbá-lo e só após ser vista pelo médico da instituição, ser aceite como pessoa viva, depois de outro papel carimbado com o timbre da instituição, assinado pelo chefe e subchefe da agência, com a impressão digital da pessoa que tem de apresentar a prova de vida, em como está viva!

Não há qualquer dúvida que só a espera pela consulta no Centro de Saúde, para comprovar que essa pessoa estaria viva, livraria o país de uma multidão de idosos: pois quando fosse chamada, poderia ser outro o documento a passar: a certidão de óbito!

Cala-te boca, não vá a ideia pegar e qualquer dia acontecer-me a mim o que não desejo aos outros.

 

Jorge C. Chora

21/4/2023

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