quinta-feira, 6 de abril de 2023

O LAR


Ia no meio da rua quando recebei um telefonema. Mal o telemóvel tocou, olhei para o ecrã e ele anunciava: Lar.

Lar? Gelei. Não conheço ninguém atualmente aí residente! Mil ideias me passaram pela cabeça: alguém que me conhece e já me quer arranjar colocação, devido às inúmeras doenças de que padeço?

De imediato me subiu às narinas, um fedor a urina, a fezes e a mofo. Um desgosto precoce me invadiu: e como é que vou escrever todos os dias contos, crónicas e poemas, se não vou ter local, espaço, nem computador para o fazer. Vou morrer se não escrever! E de repente, qualquer coisa tão ou mais medonha me apavorou: e os meus filmes diários, quando não estou a escrever ou a ler? E os meus livros?

E no meio disto tudo, outra ideia aterradora tomou conta de mim: a minha reforma de professor, que já de si não é grande coisa, mas que agora pouco ou nada vale, não dava, sequer, para pagar um cubículo ao pé do wc!

E continuava a olhar petrificado para o maldito telemóvel que continuava de modo insistente a tocar.

Atendi-o de maus modos:

- Quem é que fala? Não conheço ninguém em lares e espero não ter esse desprazer, enquanto a minha fada do lar viver!

- Acalma-te, sou eu que te estou a ligar de cá de casa, do lar, pois levaste o meu telemóvel e provavelmente o teu também!

Recuperei mil anos ao ouvir a voz da minha mulher: desapareceu-me de imediato o fedor a urina e a fezes e instalou-se o doce perfume do nosso lar. Não ganhei para o susto. Vou já beber uma taça!

Jorge C. Chora

6/4/2023

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