Ia no meio
da rua quando recebei um telefonema. Mal o telemóvel tocou, olhei para o ecrã e
ele anunciava: Lar.
Lar? Gelei.
Não conheço ninguém atualmente aí residente! Mil ideias me passaram pela
cabeça: alguém que me conhece e já me quer arranjar colocação, devido às
inúmeras doenças de que padeço?
De imediato
me subiu às narinas, um fedor a urina, a fezes e a mofo. Um desgosto precoce me
invadiu: e como é que vou escrever todos os dias contos, crónicas e poemas, se
não vou ter local, espaço, nem computador para o fazer. Vou morrer se não
escrever! E de repente, qualquer coisa tão ou mais medonha me apavorou: e os
meus filmes diários, quando não estou a escrever ou a ler? E os meus livros?
E no meio
disto tudo, outra ideia aterradora tomou conta de mim: a minha reforma de
professor, que já de si não é grande coisa, mas que agora pouco ou nada vale, não
dava, sequer, para pagar um cubículo ao pé do wc!
E continuava
a olhar petrificado para o maldito telemóvel que continuava de modo insistente
a tocar.
Atendi-o de
maus modos:
- Quem é que
fala? Não conheço ninguém em lares e espero não ter esse desprazer, enquanto a
minha fada do lar viver!
- Acalma-te,
sou eu que te estou a ligar de cá de casa, do lar, pois levaste o meu telemóvel
e provavelmente o teu também!
Recuperei
mil anos ao ouvir a voz da minha mulher: desapareceu-me de imediato o fedor a
urina e a fezes e instalou-se o doce perfume do nosso lar. Não ganhei para o
susto. Vou já beber uma taça!
Jorge C.
Chora
6/4/2023
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