segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Baú

O baú era grande, de madeira exótica, com ferragens de reforço incrustadas nos quatro cantos, desenhos decorativos em todas as faces laterais e no topo um baixo - relevo alusivo à fauna brasileira. A segurança da arca fazia-se através de uma imponente fechadura cercada de dourados.

Seis homens cambaleavam a cada passo, empenhados em conseguir transportá-lo. Foi
uma proeza tirá-lo do navio, embarcá-lo no comboio e agora, transferi-lo para a carroça
e iniciar a longa viagem até à aldeia.

António, mais conhecido por Tónio, nunca perdeu de vista o seu tesouro, tocando-o constantemente, como se se certificasse da sua presença ou como se do toque retirasse força e determinação.

Tisnado pelas quase três décadas passadas no Brasil, regressava agora a Portugal. Maçãs do rosto proeminentes e um queixo pontiagudo, cabeleira farta mas com entradas, olhos castanhos um tanto desbotados e afáveis, de estatura meã e pernas arqueadas, parecia mais atarracado do que realmente era, devido ao fato que vestia. O casaco tinha umas mangas demasiado compridas.

A sua chegada ao lugarejo despertou alvoroço. Muitos tiveram dificuldade em reconhecê-lo com excepção do seu velho pai que o recebeu de braços abertos. O baú levantou a maior curiosidade nos conterrâneos que se prontificaram a ajudá-lo e a carregá-lo para casa paterna. Vergados com o seu peso, arfando, lá conseguiram instalá-lo no quarto, debaixo da janela, encostado à parede.

Depressa o tema de conversas da aldeia se centrou no baú do Tónio:
-Quem diria, a fortuna que ele arrecadou! – pasmou-se Francelina, colega da terceira e última classe que ambos tinham frequentado.
- O peso da riqueza! Só visto…ou carregado, como eu senti – concordou Manel da Pipa.

Tónio foi cordial com todos, embora o seu feitio reservado tivesse sido interpretado por alguns como uma forma de manter a distância entre um rico e os pobres.

Em casa o seu velho pai não cabia em si de contente. Há muito que se encontrava sozinho, pois os filhos tinham-se instalado em Lisboa e no Porto. À noite, sentados à mesa, o pai aconselhou o filho:
-Tónio, nunca deixes que alguém saiba o que guardas no teu baú …
-Por que razão meu pai?
-Ninguém precisa de saber a situação real em que estás… mantêm sempre o baú trancado a sete chaves…
-Mas pai… será que me quer dizer alguma coisa?
O pai olhou durante muito tempo e de forma fixa, para as mãos do filho, sem dizer uma palavra.
Tónio , pouco à vontade com o prolongado silêncio do progenitor, olhou também para as suas próprias mãos. As mãos calosas, demasiado fortes, denunciavam um trabalhador insano, alguém que nunca largara o trabalho agrícola.

- Não tiveste sorte! Fartaste-te de trabalhar para alguém que não reconheceu o teu trabalho e …
-É verdade meu pai, a minha vida foi…
-Bastante dura – interrompeu o pai – mas é tempo de esquecer o que passaste e recomeçar a tua vida de outro modo. Nunca deixes entender que não és rico. Passa por sovina e os teus negócios progredirão… A propósito, o que é que encafuaste no baú?

-Alfaias agrícolas meu velho e sabido pai.



Jorge C. Chora

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